Editorial
Brasil, mostra a sua cara
Resistência histórica de países europeus contra os biocombustíveis está falsamente atrelada à preocupação com o desmatamento
A entrevista do presidente Lula sobre a possível vinda do russo Vladimir Putin ao Brasil, no ano que vem, estragou o que poderia ter sido o melhor momento do país durante a cúpula do G20, em Nova Déli, na Índia.
Junto aos Estados Unidos e aos anfitriões, o Brasil estava pronto para posicionar-se como um dos principais defensores do uso de combustíveis limpos e renováveis.
Só que a retórica desconexa do líder brasileiro, ao desafiar o Tribunal Penal Internacional, além de desviar a atenção para a importância do projeto ainda o obrigou a recuar de tudo o que havia dito.
A falta de coordenação e de capacidade política atrapalhou, mais uma vez, a chance de o país ser protagonista no cenário mundial e ganhar o merecido respeito.
A iniciativa é a Aliança Global para os Biocombustíveis e foi lançada no sábado, 9, durante uma das reuniões de cúpula do G20.
O objetivo da proposta, que já conta com a participação de 19 países, é promover a produção e consumo de combustíveis como o etanol, em especial em economias em desenvolvimento do Hemisfério Sul.
O projeto defende um cronograma para uma transição energética para fontes menos poluentes.
O lançamento exigiu muito esforço diplomático do Itamaraty, que contou também com o apoio do setor privado brasileiro.
Todos enxergavam, nos biocombustíveis, uma vantagem competitiva enorme para o Brasil, já que o potencial do produto é pouco valorizado, frente a outras opções mais caras, como os carros elétricos.
Na visão dos diplomatas brasileiros, a resistência histórica de países europeus contra os biocombustíveis está falsamente atrelada à preocupação com o desmatamento, mas esconde, realmente, o interesse desses países em ofertar suas tecnologias já desenvolvidas, mesmo que mais caras e prejudiciais à natureza.
O Brasil, desde a década de 1970, domina como poucos países a tecnologia dos biocombustíveis.
Prova disso foi o desenvolvimento de motores automotivos com capacidade de operar tanto com gasolina como com etanol, sem que se perca a potência.
A nossa gasolina, por exemplo, já conta com 27,5% de etanol em sua mistura, e o governo ainda estuda aumentar esse percentual para 30%.
Esse mix permite um menor uso de petróleo e uma agressão menor ao meio ambiente.
A ideia dessa aliança global é fazer com que os biocombustíveis sejam mais usados globalmente e possam ter seu uso ampliado, ultrapassando a utilização no transporte automotivo e chegando também a aviões e embarcações.
Os biocombustíveis líquidos já representam cerca de 20% do consumo energético dos transportes do Brasil, mas no mundo esse percentual beira a casa dos 4%.
Essa realidade precisa mudar, não só para fortalecer a presença internacional do Brasil no comércio exterior, mas para reduzir a emissão de poluentes na atmosfera.
Não se pode falar em conter o aquecimento global sem se considerar essa mudança.
A luta para ampliar o mercado mundial de etanol é antiga dentro do Itamaraty e um desejo do setor privado brasileiro, capitaneado pela Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar).
Se esse projeto prosperar, o país, que é líder na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, vai poder exportar não só nossos carros flex, como toda a tecnologia envolvida em toda a cadeia do processo.
Segundo o Itamaraty, a aliança lançada na Índia é uma das mais concretas iniciativas lançadas até agora no combate às mudanças climáticas e encaixa-se nos objetivos da política externa brasileira de promover o desenvolvimento dos países que ficam ao sul da linha do Equador.
O motivo é simples, a adoção dos biocombustíveis é, sem sombra de dúvidas, uma alternativa mais barata de energia sustentável para o transporte do que, por exemplo, a eletrificação da frota.
Além disso, também, por necessitar de mais mão de obra, tem a capacidade de gerar mais vagas de emprego e distribuição de renda.
Pena que um momento tão importante para o Brasil foi empanado por questões controversas da política internacional.
A invasão da Rússia ao território ucraniano, condenada pelas nações que defendem a democracia, fez com que o país perdesse a chance de se destacar como líder de um movimento que pretende salvar o planeta.
O Brasil tem tudo para ganhar destaque no cenário internacional.
Temos tecnologia verde para oferecer, utilizamos uma matriz energética cada vez mais limpa, temos florestas imensas para preservar, só falta a capacidade de mostrar ao mundo que somos melhores que aqueles que passaram séculos destruindo os recursos naturais da Terra.