Editorial
A saia justa de Haddad
Mesmo com o pedido de desculpas e com a humilhação pública, a questão está longe de ser resolvida e vai acabar caindo no colo do próprio Lula
A falta de malícia do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai custar caro para o governo Lula. Num acesso de sincericídio, durante uma entrevista, o ministro criticou fortemente a Câmara dos Deputados e o presidente da Casa, Arthur Lira. A reação foi imediata e toda a pauta econômica, que Haddad tanto espera a votação, foi adiada. O ruído foi tão grande que o ministro foi obrigado a pedir desculpas a Lira. Só que o presidente da Câmara não deixou barato e exigiu que Haddad fizesse a retratação na frente das câmeras e microfones de rádios, jornais e emissoras de televisão. Um constrangimento e tanto para aquele que comanda a principal pasta do Palácio do Planalto.
Mesmo com o pedido de desculpas e com a humilhação pública, a questão está longe de ser resolvida e vai acabar caindo no colo do próprio Lula, que há semanas deixou as reivindicações do Centrão, por cargos e verbas, em banho-maria. A falta de capacidade política de Haddad em gerenciar e conter seus pensamentos deixou ainda mais caro o custo de acordo que garanta os votos necessários para os projetos do governo no Congresso.
O ponto crucial é a reforma ministerial. É nítido que Lira e Lula medem forças. Um quer receber o máximo possível, o outro entregar o mínimo. O problema é que agora o pêndulo pendeu para o lado do deputado. A fala de Haddad empoderou o Centrão. Numa reunião do Colégio de Líderes na terça, 15, os deputados chegaram a pedir que Arthur Lira emitisse uma nota formal de repúdio às declarações de Haddad, por considerarem que era um ataque direto à Câmara. Lira, por hora, conseguiu frear o movimento e impedir um constrangimento maior para o ministro da Fazenda.
Fernando Haddad declarou, numa entrevista divulgada na segunda-feira, 14, que a Câmara estaria com “um poder muito grande” e que não poderia usá-lo para “humilhar” o Senado e o Executivo. O ministro disse também que a negociação dos projetos do governo na Câmara está bastante complicada. “Não pense que está fácil. A Câmara está com um poder muito grande, e não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo. Mas, de fato, ela está com um poder que eu nunca vi na minha vida. Tem de haver uma moderação, que tem de ser construída”, disse Haddad.
Ele afirmou ainda que o País vive uma situação “estranha” em um tipo de parlamentarismo sem primeiro-ministro. “A gente saiu do presidencialismo de coalizão e, hoje, vive uma coisa estranhíssima, que é um parlamentarismo sem primeiro-ministro. Não tem primeiro-ministro, ninguém vai cair, quem vai pagar o pato político é o Executivo.”
No mesmo dia, a primeira reação de Lira foi dizer que declarações como essa não contribuem para o “processo de diálogo” e a “construção de pontes”. No Colégio de Líderes, os deputados queriam entender o motivo de o ministro ter elevado o tom daquela maneira contra a Câmara. Já no Planalto, a conclusão que se chegou é que Haddad se sentiu com “excesso de confiança” diante dos jornalistas e acabou não ponderando as consequências políticas das afirmações.
A falta de traquejo de Haddad contaminou todo o mercado financeiro. A Bolsa de Valores acumulou doze pregões de queda, a maior sequência da história. O dólar subiu e voltou a encostar nos R$ 5,00. A confiança dos investidores ficou abalada. Muitos deixaram de acreditar que o ministro da Fazenda tenha capacidade de negociar assuntos tão delicados como o arcabouço fiscal, o orçamento de 2024 e a reforma tributária depois do tipo de postura que teve. Para piorar, o calendário joga contra Haddad. Se tudo não for definido até o final de dezembro, várias medidas não poderão entrar em vigor no ano que vem. Isso pode dificultar a vida do presidente que prometeu muito e não vai ter dinheiro em caixa para entregar.
Lula, cada vez mais pressionado, vai ter que mudar seus planos e oferecer um lote bem maior de cargos e verbas para aplacar a irritação de Lira e do Centrão. Sem que isso ocorra, a paralisação do governo é iminente, já que as regras contidas na legislação que criou o teto de gastos públicos continuam valendo. Vai ser preciso muito rebolado para escapar da saia justa criada por Haddad.