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Editorial

A renovação da fé

Em seu primeiro discurso em solo português o papa demonstrou uma grande apreensão com os rumos da guerra entre Rússia e Ucrânia

02 de Agosto de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
O papa Francisco
O papa Francisco (Crédito: Andreas Solaro/AFP)

Milhares de jovens estão participando, desde a noite de terça-feira, 2, da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. A cerimônia de abertura, ainda sem a presença do papa Francisco, reuniu cerca de 300 mil fiéis. A expectativa é que para a cerimônia de encerramento, marcada para domingo, 6, um milhão de peregrinos esteja presente.

O papa desembarcou em Portugal na manhã de quarta-feira, 3, e tem uma agenda repleta de encontros, celebrações e muita conversa franca com os líderes dos grupos que representam o futuro da igreja católica no mundo. Uma série de temas polêmicos aguarda posicionamento de Francisco. Os jovens aguardam ouvir da voz dele uma direção para as próximas décadas.

Em seu primeiro discurso em solo português o papa demonstrou uma grande apreensão com os rumos da guerra entre Rússia e Ucrânia. O pontífice conclama que a paz seja alcançada e que todo esse conflito, que afeta também a população dos países mais pobres, seja resolvida o quanto antes.

“O mundo tem necessidade da Europa, da Europa verdadeira: precisa do seu papel de construtora de pontes e de pacificadora no Leste europeu, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente”, destacou Francisco. “No oceano da história, estamos a navegar num momento tempestuoso e sente-se a falta de rotas corajosas de paz”, completou o jesuíta argentino.

Depois de ter participado de outros eventos da Jornada Mundial da Juventude, o papa chega a esta quarta edição durante o seu pontificado com a saúde bastante debilitada. Desde 2021, ele precisou ser hospitalizado três vezes e se desloca, atualmente, em uma cadeira de rodas, ou com o auxílio de bengala. Nos eventos anteriores, no Rio de Janeiro em 2013, na Cracóvia em 2016 e no Panamá em 2019, o papa sempre aproveitou esse momento de reunião para mandar importantes recados aos fiéis. O pontífice argentino nunca deixou de colocar o dedo na ferida nem para problemas internos da igreja nem para a situação política global.

Ao tocar, em seu primeiro discurso, na necessidade urgente de um acordo de paz na Ucrânia, Francisco mira principalmente no combate à fome. O preço dos grãos voltou a subir nos mercados internacionais depois que a Rússia decidiu abandonar o acordo que permitia a exportação da produção agrícola ucraniana. Esse gesto do presidente Putin, incomodado por suas reivindicações não terem sido atendidas pela União Europeia, gera uma escassez de alimentos disponíveis no mercado e, com isso, a cotação sobe. Populações inteiras de países mais pobres passam a sofrer, ainda mais, com a fome.

Ao optar por falar mais sobre a guerra na Ucrânia, Francisco deixa em segundo plano assuntos espinhosos relativos à própria Igreja. É o caso da delicada questão dos abusos sexuais de menores de idade praticados por sacerdotes. O tema voltou com força após a publicação de um relatório impactante de uma comissão de especialistas independentes.

Divulgado em fevereiro após a investigação determinada pela Conferência Episcopal portuguesa, o documento revelou que 4.815 menores foram vítimas de abusos sexuais em um ambiente religioso desde a década de 1950. As agressões teriam sido ocultadas pela cúpula eclesiástica de forma “sistemática”, segundo a apuração dos especialistas.

A administração da Igreja em Portugal, um país predominantemente católico, já pediu desculpas às vítimas e reconheceu que era necessário mudar a cultura da instituição. Mas dentro do próprio clero português há quem defenda que os religiosos que cometeram abusos e enfrentam denúncias sejam perdoados e não punidos. Os fantasmas do passado, vira e mexe, voltam a atormentar o papado de Francisco.

Neste cenário europeu bastante conturbado, é importante que os milhares de fiéis que estão participando da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, saiam com uma mensagem positiva e com a fé renovada. Nos momentos mais difíceis da vida é que se torna necessário mostrar resiliência e capacidade de enfrentar todo mal que se abate sobre a humanidade.