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Editorial

A caminho do equilíbrio

Essa mudança na política de ações afirmativas não é a única em andamento nas universidades americanas

03 de Janeiro de 2024 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Cotas e mais cotas foram criadas e a meritocracia foi dando espaço ao protecionismo
Cotas e mais cotas foram criadas e a meritocracia foi dando espaço ao protecionismo (Crédito: Reprodução)

As universidades americanas, a maioria privadas, passam por um momento de reflexão e de inflexão. Nas últimas décadas, elas adotaram uma série de políticas inclusivas que inviabilizaram a entrada de milhares de estudantes com grande potencial acadêmico. Cotas e mais cotas foram criadas e a meritocracia foi dando espaço ao protecionismo daqueles que eram considerados menos favorecidos.

A situação foi ficando tão grave que grupos de estudantes, principalmente asiáticos e judeus, decidiram questionar na justiça as medidas que estavam sendo adotadas por diversas universidades.

O caso acabou na Suprema Corte dos Estados Unidos que, no final de junho de 2023, acabou proibindo os programas de cotas. Por 6 votos a 3, o tribunal máximo norte-americano declarou que é ilegal a adoção, por parte da universidades, de políticas que garantam alguma prioridade a minorias raciais no processo de admissão. Essa decisão destruiu o conceito de ‘ação afirmativa‘ que justificava os métodos adotados pelas universidades.

Os magistrados conservadores apresentaram seus argumentos contra a ‘ação afirmativa‘ e criticaram, de forma contundente, os votos dissidentes. As ministras liberais, que votaram contra a ação, tentaram rebater, com argumentos, os votos dos conservadores.

Nesse embate, se destacaram os votos do ministro Clarence Thomas, que é negro, e da ministra Ketanji Brown Jackson, que também é negra. Thomas defendeu o fim da ‘ação afirmativa‘ e dedicou muitas páginas de seu arrazoado a críticas aos argumentos da ministra Ketanji. Ela defendeu a ‘ação afirmativa‘ e criticou as opiniões de Thomas.

O relator do voto vencedor, ministro John Roberts, escreveu que a Constituição e a lei dos direitos civis dos Estados Unidos proíbem as faculdades e universidades de dar prioridade a minorias raciais. Roberts se referiu à 14ª Emenda da Constituição, ratificada após a Guerra Civil para garantir a proteção igual da lei aos negros libertados, e à Lei dos Direitos Civis de 1964.

Mas ele acrescentou que essa legislação também proíbe a discriminação com o propósito de elevar as pessoas que integram grupos em desvantagem. ‘Eliminar a discriminação racial significa eliminá-la por completo‘, argumentou Roberts. ‘O estudante deve ser tratado com base em suas experiências como um indivíduo, não com base em sua raça. Muitas universidades vêm fazendo o oposto há muito tempo‘, declarou o ministro relator.

Essa mudança na política de ações afirmativas não é a única em andamento nas universidades americanas. A postura de seus dirigentes, muitas vezes sectária, também está sendo vigiada pela sociedade. Foi o que aconteceu com a reitora da universidade de Harvard, uma das mais famosas do país.

Claudine Gay foi forçada a renunciar nesta terça-feira, 2, em meio a uma série de acusações de plágio e críticas sobre a forma como lidou com o antissemitismo no câmpus após o início do conflito em Gaza. Claudine, a primeira presidente negra de Harvard, anunciou sua saída poucos meses após iniciar seu mandato, em uma carta à comunidade.

A polêmica começou depois que ela se recusou a dizer inequivocamente se o apelo ao genocídio dos judeus violava o código de conduta de Harvard, durante uma audiência no Congresso ao lado dos reitores do MIT e da Universidade da Pensilvânia, em dezembro. Os três presidentes haviam sido convocados para responder às acusações de que as universidades não estavam protegendo os estudantes judeus em meio aos crescentes temores de antissemitismo.

Claudine afirmou que a discriminação ao povo judeu dependia do contexto em que foi feita. A posição dela enfrentou sérias críticas e muita pressão vinda da ala republicana do Congresso. Claudine tentou se desculpar, mas seu destino estava selado.

A demissão de Claudine Gay e a decisão do ano passado da Suprema Corte, se somadas, mostram que as universidades americanas vão ter que repensar, e muito, seu papel diante da sociedade. Incluir discriminando não parece ter sido o melhor caminho. Que os ventos que sopram por lá cheguem também por aqui e as universidades brasileiras deixem de ser redutos exclusivos de algumas ideologias e passem a ser um ambiente plural e de excelência em educação.