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Editorial

A banca sempre ganha

Segundo o levantamento, 17% dos beneficiários do Bolsa Família afirmaram apostar ou já ter apostado em jogos de azar online

16 de Janeiro de 2024 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Só não ficou claro, até agora, o que será feito com esse recurso extra
Só não ficou claro, até agora, o que será feito com esse recurso extra (Crédito: Joédson Alves / Agência Brasil)

O governo brasileiro criou, em 2003, o ‘Fome Zero‘. A ideia, no início, era tirar milhões de brasileiros da pobreza extrema, garantindo uma renda mínima para a aquisição de alimentos.

O programa, que inicialmente era mais uma bandeira política que uma ação para dar dignidade a uma parte da população, reuniu sob um único guarda-chuva vários benefícios sociais criados por governos anteriores.

O impacto positivo foi imediato e, assim que as primeiras parcelas da grana bateram na conta, os supermercados ficaram lotados.

Foi aí que surgiu o primeiro problema. Um dos coordenadores do projeto, José Graziano, ficou indignado com o fato de pessoas pobres comprarem iogurtes, uva, queijos e bolachas ao invés de alimentos de primeira necessidade.

Com a força política que ainda tinha, ele tentou limitar o que a população podia ou não adquirir.

A ideia estapafúrdia, baseada em ditaduras totalitárias como a de Cuba, por exemplo, foi muito mal recebida e o ideólogo acabou caindo no ostracismo.

Foi enviado para a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), na Itália, e lá ficou escondido por anos. Só que a atitude dele, antes de partir, manchou o nome do programa que acabou se transformando unicamente no Bolsa Família.

Com mais de 20 anos de vida, o Bolsa Família, que já chegou a trocar de nome na administração passada, ajuda a garantir algum recurso para as populações mais carentes, mas está longe de ser um programa adequado para a realidade brasileira uma vez que tem poucas ‘portas de saída‘.

Os beneficiários podem ficar no programa por tempo indeterminado e sua contraprestação é mínima. Não há a necessidade de buscar conhecimento para uma nova profissão, nem o beneficiário é incentivado a procurar um emprego. O que era para ser uma ajuda básica virou uma muleta que garantiu alguma comodidade com o mínimo esforço.

Um retrato dessa falta de controle dos recursos do Bolsa Família está em pesquisa divulgada, esta semana, pelo Datafolha. Segundo o levantamento, 17% dos beneficiários do Bolsa Família afirmaram apostar ou já ter apostado em jogos de azar online.

Dos entrevistados que admitiram fazer apostas, quase um terço relatou gastar ou ter gasto mais de R$ 100 por mês em jogos de azar. Seis em cada dez apostadores beneficiários do programa de transferência de renda dizem apostar mais de R$ 50 por mês - entre os que não recebem a bolsa, a proporção é de 4 a cada 10.

Isso significa que o dinheiro investido no programa social está, na verdade, indo para as mãos de grandes grupos de cassinos internacionais ao invés de alimentar as famílias beneficiárias. Essa situação mostra o verdadeiro descontrole do Governo na utilização de recursos oriundos dos impostos e das taxas pagas pela população.

É claro que nesse debate vai sempre existir aqueles que defendem o direito de usar recursos de programas sociais em jogos de azar.

Outros vão dizer que o desespero das famílias por um pouco mais de dinheiro é tanto que esses cassinos online acabam se tornando a ilusória tábua da salvação.

De qualquer forma, o Poder Público tem o dever de investigar esse tipo de atitude e fiscalizar melhor o que é investido no Bolsa Família.

O problema é que o Governo atual está mais interessado em taxar apostas e prêmios do que proteger o cidadão do vício no jogo e das máquinas preparadas para ganhar, onde a banca sempre vence.

Prova disso é um projeto aprovado no ano passado, no Congresso Nacional, que estabeleceu regras para a operação das casas de apostas no Brasil.

A cereja do bolo é a taxação de 12% sobre as empresas e de 15% sobre os prêmios ganhos pelos apostadores.

O Ministério da Fazenda, que patrocinou a votação, queria muito mais, mas os parlamentares decidiram por um imposto um pouco menor.

A preocupação do Governo é, única e exclusivamente, arrecadar mais, não importando a origem do dinheiro.

Só não ficou claro, até agora, o que será feito com esse recurso extra. Se a ideia é investir mais em programas sociais, a pesquisa do Datafolha já mostrou onde o benefício vai parar.

O país precisa deixar de lado o populismo, fiscalizar melhor o destino dos recursos e cobrar de quem recebe benefícios a justa contrapartida. Só assim vamos aplicar bem o dinheiro de nossos impostos.