Produção de sabão artesanal cria oportunidade de educação ambiental

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Uma das apresentações do Hands On, o programa de empreendedorismo social da Uniso, em abril de 2019, a mesma edição em que foi apresentado o projeto de Amaral. Foto: Assecoms/Uniso

Você já deve ter ouvido dizer que um único litro de óleo, quando descartado diretamente na pia ou no ralo, pode contaminar até um milhão de litros d’água. De fato, é por isso que o óleo residual de cozinha — aquele que sobra após a fritura de alimentos — jamais deve ser descartado no ambiente, pois esse é um resíduo com alto potencial de danos aos ecossistemas: se descartado na água, ele pode causar alterações na alcalinidade, a diminuição na concentração de oxigênio e a liberação de gás metano na atmosfera, como resultado da decomposição por microrganismos; já no solo, o óleo aumenta a impermeabilidade e diminui a capacidade de drenagem, causando erosão e matando a vegetação local. O que fazer com ele, então?

De Paramirim, na Bahia, para Sorocaba: o doutorando Venâncio Alves Amaral, no Laboratório de Biomaterias e Nanotecnologia da Uniso (LaBNUS), no Parque Tecnológico de Sorocaba. Foto: Paulo Ribeiro

Ainda hoje, o óleo de cozinha é um dos resíduos cujo descarte costuma gerar muitas dúvidas, especialmente nas comunidades que não contam com serviços adequados de coleta. Por vezes, nessas localidades, o material é descartado nas pias, sobrecarregando as estações de tratamento de esgoto e causando danos às tubulações. Já em comunidades carentes ou afastadas dos grandes centros, onde nem sempre existe saneamento básico, o descarte costuma ocorrer diretamente no solo ou em corpos d’água, como rios e lagos, acarretando em sérios impactos ambientais.

É esse o caso de Paramirim, um pequeno município de pouco mais de 20 mil habitantes no interior da Bahia, localizado no meio do Polígono das Secas — uma área geograficamente suscetível a longos períodos de estiagem na região Nordeste do Brasil. Ainda hoje, o município conta com um serviço público de saneamento básico bastante precário ou inexistente. Foi essa a localidade que Venâncio Alves Amaral chamou de lar até 2011, quando se mudou para Sorocaba para cursar Biotecnologia na Universidade de Sorocaba (Uniso). Porém, a exemplo do que acontece em outras localidades brasileiras, as pessoas de Paramirim encontraram outro destino para o óleo usado, em vez de simplesmente jogá-lo fora inadequadamente.

“Eu observei, na minha cidade, que existe um contexto social de mulheres — senhoras, em sua maioria — que fabricam sabão artesanal a partir do óleo residual de cozinha, o que configura um método de descarte mais adequado do que jogá-lo em mananciais hídricos, por exemplo”, conta Amaral, que hoje é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Uniso.

Em comunidades carentes, essa é uma atividade bastante comum, que costuma cumprir uma função econômica, uma vez que o sabão resultante é comercializado, funcionando como complemento de renda para as famílias. Mas Amaral viu na prática algo além: uma oportunidade para a educação ambiental. Essa observação e a pesquisa subsequente deram origem a um artigo interdisciplinar publicado na Revista Brasileira de Educação Ambiental, assinado por Amaral e pelos professores doutores Marcos Antonio dos Santos Reigota e Marco Vinícius Chaud.

Diálogo com a comunidade

“O artigo foi uma forma de estabelecer um diálogo mais direto com a população do município de onde eu venho”, diz Amaral. Por meio de imersão etnográfica, durante dois meses, ele acompanhou a prática de fabricação do sabão artesanal em Paramirim. O que ele observou é que não existe um método padrão para se fazer sabão, o que significa que a receita muda constantemente, dependendo de quem o esteja produzindo. Esse é um fato que implica em riscos tanto para as pessoas quanto para o meio ambiente.

“Essa diversidade de proporções e matérias-primas utilizadas pode causar problemas, como o excesso ou a falta de algum componente na mistura do sabão, o que leva à acidificação ou à alcalinização e compromete, dessa forma, o produto final. Nesse sentido, fez-se necessária uma análise laboratorial, para a verificação da qualidade do produto, de modo a esclarecer os fabricantes sobre as boas práticas de fabricação e sensibilizá-los para questões de segurança, pois a soda cáustica — que é um ingrediente essencial nas receitas de sabão caseiro — é uma substância que pode causar intoxicação, irritação e até queimaduras na pele”, destacam os autores.

Amostras de sabão artesanal da cidade de Paramirim, no interior da Bahia. Foto: Paulo Ribeiro

Nos testes laboratoriais, conduzidos no Laboratório de Biomateriais e Nanotecnologia da Uniso (LaBNUS), com três amostras de sabão recolhidas em Paramirim, Amaral verificou que duas delas se encontravam adequadas para a limpeza doméstica, o que confirma a viabilidade da produção de sabão para o reaproveitamento do óleo residual de cozinha. No entanto, há alguns pontos de atenção: duas das amostras apresentaram separação de fases, evidenciando uma homogeneização ineficiente; duas delas também apresentaram teor de umidade acima da norma, o que implica em redução no tempo de conservação do produto final. Mas o que de fato pode ser preocupante é o resultado do teste de consistência.

“A análise da consistência é particularmente importante. As pessoas costumam preferir as amostras de sabão que se mostram mais consistentes e essa é uma característica que está relacionada à quantidade de hidróxido de sódio (soda cáustica) na receita. O que acontece, porém, é que nem todo o hidróxido de sódio reage com o óleo, o que resulta num sabão altamente alcalino, que irritará a pele humana e causará danos ambientais”, explica Amaral.

O pesquisador defende, então, a necessidade de educar a população a respeito de receitas balanceadas, para não causar riscos nem às pessoas e nem à natureza. Além disso, ele percebeu que essa é uma oportunidade para a proposição de uma prática pedagógica, fazendo uso da fabricação do sabão como uma forma de relacionar conhecimentos (como os de química e matemática) a uma atividade comum na comunidade. Isso torna a aprendizagem mais significativa — ou seja, as pessoas conseguem entender para que servem os conceitos e como eles podem ser aplicados em suas vidas —, além de melhorar uma atividade de geração de renda que a comunidade já realiza. A partir dessa proposição, pode-se começar a pensar em programas específicos a serem desenvolvidos no cotidiano escolar dessas comunidades.

Hands on e empreendedorismo social

Amaral conta que a ideia para o artigo foi aperfeiçoada no Hands On, o programa de empreendedorismo social da Uniso, que tem como objetivo incubar ideias inovadoras para solucionar os 17 Desafios do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU). O seu projeto, discutido junto a uma equipe interdisciplinar de estudantes e professores, propôs uma forma de trabalhar três dos 17 objetivos em conjunto: educação de qualidade e vidas terrestre e aquática.

Uma das apresentações do Hands On, o programa de empreendedorismo social da Uniso, em abril de 2019, a mesma edição em que foi apresentado o projeto de Amaral. Foto: Assecoms/Uniso

Segundo o autor, o programa proporcionou encontros e diálogos com pessoas das mais diversas áreas do conhecimento, o que gerou novas discussões e diferentes perspectivas sobre o tema. “Especialmente quando tratamos da aproximação entre o saber popular e o conhecimento científico, como é o caso desse trabalho, diálogos interdisciplinares são uma tendência”, conclui Amaral.

Com base no artigo “Alternativas políticas e pedagógicas da produção de sabão artesanal: um diálogo com a educação ambiental”, de autoria de Venâncio Alves Amaral, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Uniso, e dos professores doutores Marcos Antonio dos Santos Reigota, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uniso, e Marco Vinícius Chaud, dos Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas e Processos Tecnológicos e Ambientais da Uniso. O artigo foi publicado na Revista Brasileira de Educação Ambiental, em 13 de setembro de 2019. Acesse a pesquisa: https://periodicos.unifesp.br/index.php/revbea/article/view/9365

Texto: Guilherme Profeta