Núcleo de Estudos Ambientais clonou árvore tradicional de Sorocaba
Desde a morte da Árvore Grande, há mais de 11 anos, o primeiro dos seus clones segue florindo periodicamente
“Nos meus tempos de menino, meu avô costumava fazer compras numa distribuidora de laticínios que ficava próxima à frondosa paineira conhecida na cidade de Sorocaba como Árvore Grande. Para ajudar com as sacolas, eu, seu fiel escudeiro, o acompanhava. Entre queijos, salames, azeitonas e tudo mais que constava em sua lista de compras, vovô acrescentava dois gomos de salsichão. ‘Apenas dois?’, perguntava o atendente. ‘Apenas dois’, confirmávamos em sincronia. Depois das compras, atravessávamos a avenida e nos sentávamos na mureta aos pés da grande paineira. Protegidos por sua sombra, desembrulhávamos os gomos de salsichão e, entre uma dentada e outra, vovô, que era imigrante espanhol, contava histórias sobre a Catalunha; falava sobre a viagem ao Brasil, sobre as dificuldades que ele e minha avó viveram após a guerra civil e sobre os parentes que lá ficaram. Às vezes, ficávamos em silêncio, observando o ir e vir dos carros pela avenida. Passei muitas tardes com meu avô ali, aos pés da grande paineira.”
As lembranças são de Edgar Domingo de Albuquerque, que foi professor do curso de Pedagogia da Uniso. Hoje, ele se lembra de quando tinha apenas 15, quando seu avô faleceu. “Ao longo dos anos seguintes, a grande paineira também adoeceu”, ele recorda. A árvore de suas histórias de criança, um frondoso espécime de Ceiba speciosa, não existe mais, tendo sido removida em 2008. Foi ela que deu nome ao tradicional bairro da Árvore Grande, na zona leste da cidade de Sorocaba, que se constituiu em meados do século XIX devido à industrialização do município. Mas a árvore ainda permanece viva, de certa forma, não só nas memórias de Edgar e de outros sorocabanos, mas também graças ao Núcleo de Estudos Ambientais (Neas) da Uniso, que, em 2002, tomou a iniciativa de clonar a árvore tradicional.
“A Árvore Grande original morreu por dois motivos. O primeiro é que a paineira não é exatamente uma árvore centenária; em condições favoráveis, ela não passaria de 150 ou 200 anos, e ninguém conseguiu datar exatamente quantos anos a árvore tinha. Eu diria que em torno de 120”, explica o professor doutor Nobel Penteado de Freitas, coordenador do Neas e do curso de Ciências Biológicas da Uniso. “O segundo motivo é que, no meio da cidade, ela não estava numa condição totalmente natural. Não há condições favoráveis para o sistema radicular — ou seja, o sistema de raízes — se desenvolver. Hoje não encontramos mais a Ceiba speciosa com tanta facilidade em matas naturais; em vez disso, ela é uma espécie que está se tornando urbana, mas essas condições acabam abreviando a sua longevidade.”
Como se faz um clone?
Em 2002, quando a Árvore Grande ainda estava viva, uma equipe do Neas produziu uma muda a partir das sementes originais da própria árvore. Depois, quando a muda já estava crescida, foi conduzido um processo chamado clonagem por enxertia, o nome dado à interligação de dois tecidos vegetais, que consiste em introduzir um ramo de uma determinada planta em outra, fazendo com que todo o sistema funcione como um único organismo. No caso dos clones da Árvore Grande, tanto a muda quanto o ramo foram originados da mesma planta. Vale lembrar que esse é um processo bastante diferente da clonagem da ovelha Dolly, possivelmente o clone mais famoso já produzido em todo o mundo, que se deu a partir da fusão do núcleo de uma célula de um espécime adulto a um embrião de outro espécime. Com as plantas o processo pode ser bem mais simples.
“Quando se fala em clonagem, as pessoas costumam pensar em clonagem reprodutiva ou de tecidos, que são conduzidas em laboratório. Mas a verdade é que todo processo que resulta na criação de uma réplica genética de um organismo pode ser considerado clonagem, incluindo a enxertia, que é uma técnica comum na fruticultura. Com isso nós pudemos garantir que as cópias produzidas são iguais à planta mãe, apresentando exatamente o mesmo material genético”, resume Freitas.
Dentro do caule, há dois tecidos responsáveis pelo transporte da seiva: o xilema e o floema. Enquanto o xilema conduz a chamada seiva bruta, composta por água e minerais, o floema conduz a seiva elaborada, formada por compostos orgânicos produzidos por meio da fotossíntese. São esses tecidos que, no processo de enxertia, precisam ser cuidadosamente ligados. “Apesar de ser um processo simples, alguns cuidados são necessários: é preciso manter a árvore em condições adequadas para promover a cicatrização total antes de transplantá-la para o local definitivo”, adverte Freitas.
Hoje, mais de 11 anos desde a morte da Árvore Grande, o primeiro dos seus clones viceja na Cidade Universitária, florindo periodicamente. Ele foi plantado em 2003 e, mesmo passados 15 anos, ainda apresenta um porte modesto — um efeito colateral da clonagem, assim como a floração precoce. Já o segundo exemplar foi plantado em 2010, no mesmo local da árvore original, a avenida em que o menino Edgar e o seu avô saboreavam os salsichões e contemplavam os carros passando. “Vez ou outra”, conta o professor, “quando eu passo pelos clones, seja na avenida ou na universidade, o farfalhar de suas folhas traz à tona aquelas histórias do meu avô catalão.” Para ele, a árvore representa fragmentos de sua história pessoal, e também da memória de tantos outros sorocabanos. “Quantas juras de amor e quantos corações partidos aquela árvore não presenciou sob suas folhas? Quantas brincadeiras de crianças depois da escola, ou conversas de beatas depois do culto, aquelas raízes não testemunharam?”, pergunta-se ele.
Na Cidade Universitária, o principal câmpus da Uniso, o primeiro clone pode ser encontrado ao lado das instalações do Apoio 3, onde funciona o curso de Gastronomia. Já o segundo exemplar pode ser apreciado no bairro da Árvore Grande, na Avenida São Paulo, na altura do número 1.500, entre figueiras e outras espécies regionais.
Para saber mais: O Núcleo de Estudos Ambientais da Uniso (Neas)
Segundo o coordenador do núcleo, a história do Neas está vinculada à história da própria Universidade: “O Neas surgiu oficialmente em novembro de 1993, com o objetivo de desenvolver pesquisas relativas ao meio ambiente. Foi por meio do núcleo, por exemplo, que se ampliou a quantidade de pesquisas disponíveis sobre o Rio Sorocaba. Além disso, foi o Neas que motivou a criação do Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Sorocaba e Médio Tietê e, posteriormente, da Área de Proteção Ambiental da represa de Itupararanga, o maior reservatório de água doce da Região.” Hoje o Neas é líder regional nas questões relacionadas à ecologia e ao desenvolvimento sustentável. As atividades no núcleo incluem o cultivo das plantas medicinais utilizadas pelos cursos da Uniso (como Farmácia e Bioquímica) e a manutenção de um banco de sementes com espécies nativas do interior do estado de São Paulo, além de pesquisas científicas — como o levantamento das espécies da fauna e da flora da região da Cidade Universitária — e atividades de conscientização voltadas à comunidade.
Texto: Guilherme Profeta
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