Gastronomia simples revela sabores sorocabanos
Sorocaba tem alguns ícones gastronômicos que ultrapassam décadas e são mantidos de geração em geração, mesclando, muitas vezes, a tradição e a inovação. Engana-se quem pensa em pratos caros e sofisticados, a cidade oferece opções saborosas e acessíveis. Em dois bares da cidade, embora também tenha refrigerante e cerveja, os carros-chefes são outros. Em um deles, no Bar 2 Zé, na avenida Washington Luiz, zona oeste, as estrelas são a almôndega e o torresmo. Já no Bar da Coalhada Síria, na rua Aparecida, como o próprio nome já diz, a coalhada batida com diversas frutas é o que atrai clientes fiéis ao estabelecimento.
O que os dois cunhados Josés começaram em 1975, hoje é guiado pelos herdeiros, que sabem do potencial do bar, famoso pelo torresmo e pela almôndega. José Maria Rodrigues, hoje com 72 anos, conta que começou com o cunhado, o José de Jesus Fogaça, 75, uma mercearia no Jardim América, mas na década de 1990, com a chegada de hipermercados na cidade, ficou difícil manter o comércio. "Eu sabia que precisava encontrar um diferencial e então fui para a cozinha sem nunca ter feito um curso e me apeguei ao simples, ao que eu comia na infância. O torresmo, por exemplo, é comida de gente o sítio, mas agrada o povo da cidade até hoje", comemora ele, que ainda trabalha no bar, mas hoje se dedica mais a receber os clientes e conversar.
José de Jesus, por conta de problemas de saúde, já não fica mais no estabelecimento, mas o filho, Alessandro de Jesus Fogaça, 40, é o responsável pelo turno da tarde no bar. Desde muito cedo ele já ajudava o pai e o tio e preza por manter o bar com um ar familiar. Professora, administradora e arquiteta, Josiane Aparecida Rodrigues, 46, filha de José Maria, se afastou do trabalho para modernizar o estabelecimento. "Está chegando a hora que meu pai também vai se aposentar. Ele ama essa rotina, mas ele e meu tio dedicaram a vida toda a isso. Trabalhavam mais de 16 horas por dia."
O torresmo e a almôndega seguem como os principais atrativos e atualmente o bar passa por uma reforma para ampliação. José Maria, aliás, conta Josiane, até tem ajudado na obra. "Não consegue ficar parado." O sistema do bar foi todo informatizado para atendimento e controle de estoque, foi feito um cardápio e há opções de porções de salgado. "A gente fica muito feliz de ver que dá para melhorar sempre, mas sem perder a nossa essência", destaca Josiane.
Coalhada
Ildefoncio comprou o bar em 1998 e apostou na coalhada para ganhar clientela - Foto: Erick Pinheiro
Um baiano que queria mudar de vida também contou com a ajuda do cunhado para ter o seu próprio bar e assim manter a família. Desde 1952 existe um bar na rua Aparecida, que até 1998 chamava Bar do Américo. Quando Ildefoncio Rodrigues Meira, 66, comprou o estabelecimento o nome mudou para Bar da Coalhada Síria. Por 12 anos ele foi sócio do cunhado Hermínio Alves Pereira, 55, que já trabalhava no bar e o convidou para a sociedade. "Nessa época eu era caseiro no Guarujá e juntava dinheiro para comprar alguma coisa minha. O Hermínio trabalhava aqui e quando o antigo dono disse que ia vender a gente se juntou e comprou", conta Ildefoncio.
No antigo Bar do Américo já era feita a famosa coalhada síria, mas eram apenas três sabores: coco, abacaxi e morango. "Eu mudei o nome para todo mundo já associar o bar à coalhada e coloquei mais um monte de sabor", conta. Hoje Ildefoncio é o único dono do bar e Hermínio "ajuda até montar o bar dele". Quem vai ao estabelecimento tem chance de provar coalhada de açaí, banana, maracujá e outros tantos sabores.
Mantendo a linha familiar, o jovem Diego Alves Meira, 55, sobrinho de Ildefoncio também atende no balcão e com alegria o proprietário conta que um dos filhos também toca um bar de mesmo nome no Jardim Saira. "Foi com o dinheiro daqui que eu tirei o sustento da minha família e minha esposa, que está comigo há 34 anos, sempre me ajudou muito", conta Ildefoncio, que fica feliz pela clientela fiel e também pelo grande público mais jovem que frequenta o bar. "Vem gente de fora de Sorocaba e isso mostra que a gente não parou no tempo, mesmo mantendo a nossa simplicidade."
Coxinha e pão d'água também são sucesso
José Renato comprou a Padaria do Gonçalo em 2012 e manteve a receita original do famoso do pão d'água - Foto: Emídio Marques
José Renato Nóbrega de Almeida, 31, cresceu ao lado da Padaria do Gonçalo, na avenida Nogueira Padilha, Vila Hortência e sabia da fama do pão d"água, que atrai clientes de toda a região. Quando o estabelecimento dava sinais de que fecharia as portas o rapaz decidiu unir a vontade de empreender com o gosto pela cozinha e comprou a padaria em 2012, com direito ao ponto, os equipamentos e mobília e também ficou com as preciosas receitas, entre elas a do pão d"água.
O estabelecimento passou por modernização, mas mantêm as características que fizeram da padaria tão famosa. Ainda hoje há um enorme retrato do primeiro proprietário, o Gonçalo, que iniciou a produção dos pães em 1922. "A padaria ficou fechada por três meses para as adaptações, mas as receitas continuam sendo seguidas a risca", conta José Renato. O que faz do pão d"água ser tão procurado, conta, é o fato de não usar fermento, deixando o produto livre de qualquer química.
Sem revelar a receita, José Renato conta que a casca grossa, dura e crocante, com um gosto levemente ácido e um miolo macio ainda é o carro-chefe da padaria e pessoas vem até de outras cidades e compram em grandes quantidades. "Por não ter química, ele dura até 60 dias congelado e por isso as pessoas levam bastante", conta o empresário.
Nem só de pão vive a padaria
De 1957 até 1991 a padaria Real se dedicava exclusivamente a fazer pão. No ano seguinte, com a inauguração da Real Campolim -- primeira padaria do Brasil a funcionar 24h -- José Vicente de Souza (seo Zé) e o primogênito José Vicente de Souza Júnior, 53, o Zezinho, viram a necessidade de incluir salgados entre as opções, tornando a padaria uma conveniência. Seo Zé foi quem idealizou a padaria e contava com o auxílio dos pais e do irmão, Carlos Alberto de Souza. A cunhada Maria Helena de Souza era uma excelente cozinheira e foi ela quem elaborou a receita da coxinha que hoje leva o nome de Sorocaba para o Brasil todo. "Quando a gente viaja e fala que é de Sorocaba as pessoas já lembram da coxinha e isso é uma satisfação", conta Zezinho, que hoje está a frente da rede.
Zezinho e o carro-chefe da padaria: a coxinha, receita criada pela tia, Maria Helena - Foto: Erick Pinheiro
Após a criação da coxinha, mais três lojas foram inauguradas, somando cinco na cidade, empregando 850 funcionários. Dona Maria Helena já não participa do desenvolvimento dos salgados, mas segundo Zezinho, sempre que prova algo da padaria que não a agrada, ela faz questão de dar sua opinião e sugestões.
Mantendo a tradição com a qualidade dos produtos, mas sem deixar de inovar e assim atrair mais clientes, em 2014, após inaugurar a quarta loja, no Alto da Boa Vista, a Real promoveu o primeiro festival da coxinha, com sabores inusitados do salgado típico brasileiro. "Foi despretensioso. A gente queria algo diferente por que foi no auge da crise econômica, mas não imaginamos que faria tanto sucesso. Formou uma fila enorme e às 15h já tinha esgotado tudo", relembra Zezinho, que trabalha no negócio da família desde os 13 anos.
Da coxinha, além dos sabores inusitados, veio também a pizza de coxinha e o lanche de coxinha. "Para não ser uma pizza convencional de frango com catupiry, eu pedi para trazerem o recheio original da coxinha e colocar na massa e o pizzaiolo sugeriu colocar algumas mini coxinhas em volta. É a mais pedida na nossa pizzaria." Já no caso do lanche, o pão é substituído por massa de coxinha.