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Garoto revolucionário

02 de Março de 2019 às 09:31

Garoto revolucionário

Crédito da foto: Kimihiro Hoshino / AFP

No princípio, as redes sociais eram o verbo. Sentimentos, desejos e teorias eram expressados -- e respondidos -- por texto. A natureza da internet passou a ser diferente quando, no dia 9 de fevereiro de 2009, o Facebook propôs uma singela questão aos seus membros: “Curtiu?”. Da maneira como as pessoas interagem (e as consequências psicológicas disso) aos modelos de negócios dos serviços mais populares da web: nada mais foi como antes, depois do “primeiro like”.

 

É curioso pensar que o Curtir (Like, em inglês) demorou a existir. Criado em 2007 pela ilustradora Leah Pearlman, gerente de produto do Facebook na época, o recurso passou dois anos “na geladeira”. Mark Zuckerberg, fundador da rede social, não gostava muito dele, mas foi vencido pelo entusiasmo dos funcionários da empresa. “É uma forma rápida de dizer aos seus amigos que você curte o que eles estão postando”, dizia o texto que apresentava a função, escrito por Pearlman. “Isso deixa espaço nos comentários para elogios mais longos.”

Era algo novo: Orkut, MySpace e outros serviços da época eram organizados em textos e comunidades, bem como inúmeros fóruns que reuniam aficionados por qualquer tema -- de PCs a cinema, algo que soa muito nerd hoje em dia. Os elementos visuais eram mais rudimentares. As pessoas já usavam emojis para se expressar em e-mails, por exemplo, mas eles serviam mais como complemento ao texto.

O botão Curtir permitia uma reação rápida -- e até um pouco desinteressada -- a qualquer coisa. Não à toa, ele teve sucesso imediato. “Em pouco tempo, publicações que tinham 50 comentários acabavam tendo 150 curtidas”, disse Pearlman, em entrevista à revista Vice, em 2017.

Era o que o Facebook precisava: três meses após lançar o Curtir, a rede superou seu maior rival nos EUA, o MySpace. Mais que isso, ditou moda: em 2010, o YouTube trocou as estrelas de seu sistema de avaliação de vídeos por um polegar positivo. O Twitter fez testes até 2015, quando estabeleceu o coração como símbolo para “curtir” um tuíte. Instagram, LinkedIn e Tinder também incorporaram o recurso. “Hoje, é difícil imaginar uma rede social sem curtidas”, diz Luís Peres-Neto, professor da ESPM.

Mais publicações

“Com o Curtir, as pessoas passaram a fazer mais publicações”, afirmou Pearlman à Vice. De participantes de uma rede, as pessoas agora se consideram protagonistas dela. “Há uma supervalorização da validação do próximo, do olhar de outras pessoas sobre tudo que o usuário faz”, diz Alexandre Inagaki, consultor em redes sociais.

É algo que tem gerado impactos na saúde mental: estudo feito pela Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA) em 2017 mostrou que receber uma curtida ativa áreas do cérebro que respondem quando se recebe algo bom -- como comer chocolate em um dia difícil. Outras pesquisas já ligaram sintomas de depressão, ansiedade, solidão e baixa autoestima ao uso de redes sociais. “Tem gente com autoestima baixa que posta selfies todo dia, esperando reações. Quando não se recebe muitas curtidas, a tendência é ficar mais triste”, diz a psicóloga Anna Lucia King, do Instituto Delete, ligado à UFRJ.

Manada

No mesmo estudo, pesquisadores da UCLA mostraram que o Curtir ajuda a gerar comportamentos de manada -- se uma foto já ganhou muitos likes, é provável que mais pessoas devam se manifestar sobre ela. Por outro lado, os algoritmos das redes sociais consideram o número de curtidas para determinar o que será exibido a um usuário. Se ele curte sempre as mesmas coisas -- e quem produz conteúdo busca temas populares para ganhar curtidas -- o processo de criação de uma bolha está formado. Unidos, o “efeito manada” e o reforço do algoritmo geram uma reação em cadeia.

As curtidas permitiram ainda uma forma eficiente para o funcionamento desses algoritmos. Na época, sistemas de reconhecimento de texto por inteligências artificiais eram bem mais rudimentares -- até hoje, eles não entendem ironia. Há ainda a complexidade de diferentes idiomas. O Curtir, para o algoritmo, virou um tradutor universal: todos falam a mesma língua, com dois signos -- “gostei” ou “não gostei”.

De quebra, as redes sociais passaram a identificar os gostos das pessoas, num prato cheio para a publicidade. É um ingrediente importante para o Facebook ter sobrevivido e gerado receita de US$ 16 bilhões em seu último trimestre fiscal; uma realidade muito diferente do Google com o Orkut, que nunca conseguiu faturar. Trocar curtidas por dinheiro virou um modelo comercial imperativo.

É nas curtidas, também, que surgem algumas das principais mazelas da internet atual -- de “fazendas” com milhares de smartphones curtindo posts 24 horas por dia, inflando números de audiência por centenas de dólares, à interferência em eleições e fome por dados de usuários. A Cambridge Analytica, firma de marketing político que usou indevidamente dados de 87 milhões de perfis do Facebook, começou analisando justamente as curtidas. Com 150 publicações, os pesquisadores diziam saber mais sobre alguém do que seus pais ou irmãos.

É algo que causou danos ao Facebook -- fazendo a empresa rever políticas, perder dinheiro e colocando-a sob escrutínio global. Talvez, em breve, esse modelo já não seja mais tão curtido. (Colaborou Giovanna Wolf / Estadão Conteúdo)

Rede social teve brasileiro como cofundador

Garoto revolucionário

Página do TheFacebook na época do lançamento como uma rede social. Crédito da foto: Reprodução

O Facebook foi lançado em 4 de fevereiro de 2004 como TheFacebook. No topo da página havia uma ilustração com imagem do ator Al Pacino. O nome Facebook faz referência ao livro entregue aos alunos no início do ano letivo por algumas universidades nos Estados Unidos para que eles possam se conhecer. Ou seja, era um livro de rostos, a essência da palavra Facebook em inglês.

A rede social foi fundada por Mark Zuckenberg e os colegas Eduardo Saverin (brasileiro), Dustin Moskovitz e Chris Hughes. Depois juntou-se Andrew McCollum. No início, era limitada à Universidade Harvard, onde estudavam.

A expansão da rede começou em 2005, ano em que foi retirado o “The” do nome. Em 2008, começou o processo de internacionalização da rede social.

Foi a relação de Zuckenberg com o brasileiro Eduardo Saverin que acabou retratada no filme “A rede social”, de 2010, dirigido por David Fincher e que ganhou três Oscar: roteiro adaptado, trilha sonora e edição. O enredo, que Zuckenberg teria detestado, mostra o surgimento do Facebook e vai até a disputa judicial travada entre a empresa e Saverin, um paulistano que foi criança morar nos EUA com a família. Ele se criou em Miami, na Flórida. No início do Facebook, Saverin foi diretor financeiro e depois gerente de negócios. O brasileiro e a empresa acabaram fazendo um acordo fora do meio judicial.

Em 2009, o Facebook já era a rede social virtual mais utilizada em todo o mundo. Mas no Brasil só passou o Orkut em 2011.

Os negócios cresceram muito além de qualquer expectativa da época da criação da rede. O Facebook adquiriu em 2012 o Instagram e, em 2014, o WhatsApp. (Da Redação, com informações de Bruno Romani e Giovanni Wolf - Estadão Conteúdo)

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