Cuidado com os anti-inflamatórios

Consumo abusivo destes medicamentos podem ser prejudiciais à saúde, dizem especialistas

Por Cruzeiro do Sul

Sem a preparação física adequada para exercer sua arte, os bailarinos convivem com a dor e, muitas vezes, fazem uso excessivo dos anti-inflamatórios.

Novos estudos que ampliam o conhecimento sobre a importância da inflamação na defesa do organismo, no reparo de tecidos, no funcionamento do cérebro e em muitos outros processos vitais, também despertam a discussão sobre os riscos do consumo abusivo de medicamentos.

“O uso excessivo de anti-inflamatórios pode ter duas consequências negativas. Além de perturbar a homeostase (a manutenção do equilíbrio fisiológico do organismo), pode comprometer a defesa contra infecções e até contra alguns tipos de tumor”, afirmou o imunologista Ruslan Medzhitov, professor da Universidade Yale (EUA). Em uma edição especial a respeito do papel da inflamação, publicada recentemente pela revista Science, o especialista propõe uma visão expandida sobre o tema.

Segundo Medzhitov, estudos recentes têm demonstrado que anti-inflamatórios não esteroides (como o ácido acetilsalicílico e o ibuprofeno) podem causar úlceras no intestino e até reduzir o efeito positivo dos exercícios físicos, se usados em altas doses e por longos períodos. A automedicação, prática comum no Brasil, complica o problema.

No mês de janeiro deste ano, 26 milhões de caixinhas de anti-inflamatórios foram vendidas em farmácias por todo o País. Se cada consumidor tivesse levado para casa apenas uma caixinha, a quantidade vendida neste primeiro mês de 2022 seria suficiente para alcançar cerca de 12% da população brasileira.

Levantamento feito pela consultoria IQVIA, empresa que monitora informações do setor farmacêutico, considera apenas a categoria de anti-inflamatórios usados para o tratamento do sistema músculo-esquelético, como dores nas pernas e braços, ombros, quadris, coluna, entre outros.

Na prática

Dores desse tipo são bem conhecidas no mundo da dança. A paulistana Júlia Pontes dos Santos, de 19 anos, formada em balé clássico profissional, calçou as primeiras sapatilhas aos dois anos de idade e passou a infância se exercitando na barra e ensaiando coreografia por longas horas.

Ela tinha menos de 12 anos quando sofreu uma lesão na coluna. “Tomava anti-inflamatórios, relaxantes musculares e opióides para evitar a fisioterapia e continuar dançando”, afirma Júlia. “Às vezes, ficava travada na cama por dois dias. Comecei a usar esses remédios feito água. Minha mãe escondia as caixas, mas eu tomava sem que ela soubesse”, conta a jovem.

Como tantas garotas que almejam passar pela difícil seleção das grandes companhias de dança, Júlia queria ser descoberta em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, e brilhar no exterior. Mais madura, ela faz faculdade de Fisioterapia e segue praticando quatro horas de dança (balé clássico, heels dance e dança do ventre) por dia, três vezes por semana. Júlia pretende trabalhar com preparação física para bailarinos. “Não abri mão do meu sonho, mas abri minha cabeça”, afirma.

Para trilhar esse novo caminho, ela se inspira no exemplo de Tamires Reis, personal trainer especializada em treinamento físico para bailarinos. Formada em Educação Física pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e bailarina profissional, ela criou um programa on-line de prevenção de lesões. Oferece consultoria para grandes companhias de dança e conhece bem a cultura do uso indevido de medicamentos.

“Os bailarinos acham que é normal sentir dor e tomar anti-inflamatórios por conta própria. Um vai indicando os remédios ao outro. Eu mesma vivi isso e cometi esse erro”, diz ela. “Enquanto eles pensam que é fraqueza demonstrar que não estão bem, muito professores insistem em achar que as longas horas de dança são suficientes para preparar o corpo para a execução dos movimentos”, afirma Tamires.

“Não é verdade. Os bailarinos precisam de um trabalho muscular para prevenir lesões, assim como os jogadores de futebol e outros atletas”, acrescenta a persona trainer.

A professora Ana Caetano Faria, presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, salienta que os anti-inflamatórios são extremamente importantes quando usados no momento certo. Nas situações em que a pessoa não consegue lidar com uma infecção ou inflamação exacerbada, em uma doença autoimune ou alérgica. “A pessoa precisa daquele medicamento, mas isso tem de ser feito com muito critério para não inibir outras substâncias benéficas”, afirma.

Alerta

Para o imunologista Luiz Vicente Rizzo, diretor-superintendente de pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, o abuso de anti-inflamatórios prejudica o equilíbrio homeostático. “Esses medicamentos são uma das classes de drogas mais consumidas no Brasil e no mundo, mas cerca de 10% das pessoas têm reações adversas”, diz.

Rizzo explica que, em grande parte dos casos, isso acontece porque nossos receptores entendem que o medicamento é uma tentativa de bloquear um processo natural. “É claro que os anti-inflamatórios são importantes nos casos em que, por exemplo, a pessoa tem uma artrite reumatoide que precisa ser controlada, mas não são drogas para serem usadas sem prescrição médica, como muita gente faz”, alerta o médico. (Estadão Conteúdo)