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Ensino domiciliar não pode ser praticado por falta de legislação

21 de Setembro de 2018 às 07:48

Ensino em casa não tem legislação no Brasil Sabrina Bittencourt e sua família, incluindo o filho Gabriel, conhecido como Biel Baum, que aos 8 anos pediu à mãe para sair da escola e motivou o início de um caminho pela desescolarização. Crédito da foto: Marcos Alves / Divulgação

O ensino domiciliar, também conhecido como homeschooling, ainda não pode ser praticado no Brasil. O tema foi discutido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, e apesar da maioria dos ministros concordar que a Constituição Federal não proíbe a família de educar em casa, o que foi observado é que não há lei regulamentando o ensino domiciliar e por isso não é possível instituí-lo no país.

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Durante as discussões sobre o tema, dois pontos foram muito comentados: como fica a socialização da criança se ela estudar em casa e também a preocupação do aumento da evasão escolar, pois há pais que podem simplesmente alegar que optaram pelo homeschooling e de fato não praticá-lo. Para que essa alternativa funcione no Brasil, o ideal, de acordo com os ministros, é ter legislação que regulamente como isso pode ser feito.

A decisão causou repercussão. Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), existem atualmente 7,5 mil famílias brasileiras que educam os filhos em casa.

Moradora de Sorocaba, Solange -- que preferiu não expor o sobrenome para não prejudicar sua filha, que está em idade escolar -- afirma que hoje a menina tem 17 anos, mas quando estava com 15 ficou muito doente e teve de faltar bastante da escola. “Naquele momento percebi que se ela tivesse a possibilidade de estudar em casa seria muito melhor. Entrei em contato com a Delegacia de Ensino, porque queria informações, mas a resposta que obtive é que não dava para ser feito em casa porque poderia ser considerado crime”, lamenta. Com o tempo, a menina melhorou e voltou à escola, mas aí surgiu outra preocupação: a qualidade. “Onde ela estuda a situação é muito crítica. Há falta de professores praticamente todos os dias, as apostilas do governo não são usadas, não são seguidas. Em 2016 mesmo um professor de Matemática chegava na aula e simplesmente deitava. Ele colocava a cabeça nos livros e dormia em cima da mesa. O caderno era praticamente vazio”, afirma.

Solange passou a pagar aulas particulares para a filha, pois a preocupação agora é com o vestibular. “Se querem proibir o homeschooling, então deveriam oferecer estudo de primeira linha. Espero que isso seja revisto.” É o que também pensa a empreendedora social Sabrina Bittencourt, doutora honoris causa em Educação Disruptiva e fundadora da rede de aprendizagem livre Escola com Asas, que tem origem na desescolarização e possui adesão de quase oito mil famílias do Brasil, América Latina e Espanha. Sabrina é brasileira, mãe de três filhos e atualmente vive em Barcelona. Sua história é conhecida por quem é envolvido com educação porque pratica a unschooling com seus filhos, ou seja, a desescolarização. A diferença entre homeschooling e unschooling é que a educação domiciliar segue os conteúdos curriculares da escola tradicional. Já o unschooling é uma educação mais livre, em que o aprendizado segue os talentos e interesses individuais.

Na opinião de Sabrina, cada família tem o direito de educar os filhos como querem, seja na escola, homeschooling ou unschooling. Uma das preocupações com o homeschoooling se refere ao convívio social da criança com outras da mesma idade, que seria prejudicado. Para Sabrina, isso foi algo inventado como “bom”. “Mas eu acho péssimo. Reduzir as possibilidades de convívio a pessoas da mesma idade todos os dias, e incluindo aí gente que não tem a menor afinidade ou até mesmo antipatia, é pobre. Meus filhos convivem com pessoas de todas as idades. Quando somos adultos, isso é tão irrelevante, não é? Por que seria algo relevante na infância e adolescência?”, questiona.

Para ela, o problema não está na educação domiciliar ou desescolarização. “Eu teria medo dos abusos que acontecem diariamente dentro das escolas, teria medo de ter meus filhos com professores colapsados e depressivos, teria medo da comida de péssima qualidade oferecida, de conteúdos defasados... Teria medo da falta de escuta e de uma tentativa desesperada de padronizar as pessoas. Aliás, é disso que tenho medo.”

Sobre o argumento de que o homeschooling pode gerar um aumento da evasão escolar, Sabrina acredita que pior do que já está, é difícil ficar. “Se a escola fosse um lugar bom, as pessoas gostariam de estar dentro dela.”

Como mãe, completa a empreendedora, jamais pensaria em obrigar as pessoas que ama a estarem dentro de um lugar que se sentem oprimidas, com medo, presas. “Talvez sem ter um propósito ali né, sem ter conexão com sua realidade e com uma falsa sensação de que isso será bom para o seu ‘futuro’.”

Na justiça

O homeschooling foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015, devido a um mandado de segurança impetrado em 2012 pelos pais de uma menina, então com 11 anos, contra a secretária de Educação do município de Canela (RS), que negou pedido para que a criança fosse educada em casa e os orientou a fazer matrícula na rede regular de ensino. O mandado de segurança foi negado tanto em primeira instância quanto no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Depois, seguiu para análise dos ministros.

Em 2016 o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu todas as ações no Brasil em que pais eram processados criminalmente por não matricularem os filhos na escola, até a decisão final do STF. O que irá ocorrer a partir de agora é que os pais serão obrigados a matricularem os filhos nas escolas até que haja uma legislação no Brasil sobre o tema. Vale lembrar que desde 2012 tramita no Congresso um projeto de lei sobre educação domiciliar, mas ainda sem aprovação na Câmara e no Senado.

Debate

Para o mestre em educação escolar Rodrigo Barchi, é preciso promover um amplo debate com a sociedade sobre esse tema e ouvir todos. Rodrigo acredita que a decisão do STF nesse momento foi acertada. Na sua opinião, se um dia o homeschooling virar lei, teria de ter uma fiscalização.

Na sua visão, a opção de muitos pais pelo homeschooling é justificável pela péssima qualidade da educação pública, mas isso se dá porque as famílias estão ausentes das decisões da escola. “As famílias estão se fechando cada vez mais e não estão entendendo o espaço público como sendo de todos, mas exclusivo dos pobres. O abandono da sociedade para tomar decisões coletivas tem criado essa solução ‘fácil’ do homeschooling, no entanto o efeito dessa ação é fazer com que, aquilo que é para ser coletivo, seja cada vez mais sucateado.”

Rodrigo se preocupa com os conteúdos que os pais podem querer passar para os filhos, baseados apenas em sua visão, sendo que a função da educação é mostrar vários aspectos, ampliar. “Mas não é só a questão do currículo, e sim ensinar o convívio com o diferente, com o outro, outras formas de cultura. A escola promove um processo de socialização, de construção coletiva do conhecimento, de troca entre os alunos”, observa.