Abacateiro serás meu parceiro solitário...
A música de Gilberto Gil “Refazenda” se transformou num livro ilustrado, com edição da Editora Elo. E, assim como a canção, o livro é cheio de sons, palavras inventadas e imagens que parecem nascer da própria terra.
Gil conta que a música nasceu de um amontoado de palavras e ideias soltas — um jogo de rimas, de sons e sentidos misturados. No começo, nada fazia muito sentido. Era preciso esculpir os versos.
As palavras vieram antes da melodia, o primeiro verso, longo e
ritmado, lembra os cantos do sertão e o jeito dos violeiros do Nordeste. E, embora algumas pessoas pensassem que “Refazenda” falava de política, Gil esclarece: falava mesmo era da natureza, da vida simples no campo, do cuidado com o pomar, das estações e do prazer de viver perto da terra.
“Refazenda” é uma lembrança do interior, do tempo em que é possível escutar o vento, o canto dos bichos e o silêncio bom das plantações. É também um convite a brincar com as palavras — a criar, rir e descobrir sentidos novos nas coisas simples.
Naquele tempo, havia liberdade e coragem em misturar palavras, inventar expressões, rir do estranho e encontrar poesia no inesperado.
Um fato curioso é que “guariroba”, uma das palavras da música, é o nome de uma palmeira do cerrado e também o nome de uma fazenda que Gil e seus amigos sonharam transformar em uma comunidade onde todos viveriam juntos.
As ilustrações de Daniel Kondo são um espetáculo à parte: geniais e minimalistas, como se cada traço respirasse o mesmo silêncio, o mesmo ritmo e a mesma alegria que a canção carrega. Um livro que canta, dança e planta — como quem refaz a vida com arte e ternura.
Vanessa Marconato Negrão é professora e sócia efetiva da Academia Sorocabana de Letras