Um quintal continental
Em um quintal que se transforma ao longo do dia, uma menina embarca em uma jornada de descobertas e encantamentos. Ali, formigueiros se erguem como montanhas imponentes, esqueletos de besouros tornam-se vestígios de civilizações perdidas, e arbustos escondem florestas inteiras onde tudo é possível. O chão, testemunha silenciosa de tantas brincadeiras, revela um universo onde o menor detalhe pode ser o ponto de partida para grandes aventuras. Cada pedrinha, folha ou sombra ganha vida quando vista sob o olhar curioso e criativo da infância.
Com uma narrativa delicada e cheia de lirismo, Gabriela Romeu, jornalista, escritora e documentarista que há décadas se dedica à escuta das infâncias brasileiras, convida o leitor a redescobrir a riqueza do mundo a partir do brincar. Costumo apresentar as obras de Gabriela para outros colegas educadores e também para as crianças dizendo: ela tem o melhor emprego do mundo: é especialista em brincadeira de criança.
No caso de “Continentes” logo nas primeiras páginas, minhas crianças identificaram suas próprias expedições de faz de conta, onde gravetos são varinhas mágicas, cajados e cetros. Um menino mais ligeiro disse logo: “Parece eu, né, prô?”
Ao lado das imagens inventivas e expressivas de Anita Prades, o livro cria uma atmosfera que mistura realidade e imaginação, corpo e pensamento, natureza e sonho. Trata-se de uma celebração da infância como território simbólico e poético, onde o cotidiano se torna extraordinário e o quintal vira cenário para as mais profundas experiências sensíveis.
Mais do que um livro, é um convite para revisitarmos nossas próprias memórias de chão, vento, bicho e fantasia, e reconhecermos, na arte e no faz de conta, a essência da criança que (com sorte) continua a morar dentro de nós.
Vanessa Marconato Negrão, professora e sócia efetiva da Academia Sorocabana de Letras.