Buscar no Cruzeiro

Buscar

Sorocaba tem 84 crianças vendendo em semáforos

17 de Julho de 2018 às 11:00
Ana Claudia Martins [email protected]

Um total de 84 crianças e adolescentes foram flagrados em situação de trabalho infantil nos cruzamentos das principais avenidas e ruas de Sorocaba, em três meses. O balanço faz parte de ações de fiscalização que ocorreram de janeiro a março deste ano, por meio da Coordenadoria da Criança e Adolescente, da Secretaria da Igualdade e Assistência Social (Sias), e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

No total foram realizadas 110 abordagens em 36 pontos da cidade, que são considerados os locais com maior frequência de trabalho infantil nos semáforos. A avenida campeã em flagrantes é a Antônio Carlos Comitre, no Campolim, uma das mais nobres. Na avenida foram feitas 19 abordagens, tanto pela manhã quanto no período da tarde. Já a avenida Ipanema e a alameda do Horto, onde é realizada uma feira noturna, ficaram em segundo lugar no mapeamento dos principais locais onde crianças e adolescentes foram encontradas em situação de trabalho infantil nos semáforos, totalizando 12 abordagens em cada ponto.

O mapa do trabalho infantil em Sorocaba revela ainda que das 84 crianças e adolescentes flagrados nas ações de fiscalização, pelo menos 15 eram reincidentes, ou seja, foram abordadas mais de uma vez, e mesmo após as orientações e encaminhamentos voltaram para os semáforos e continuaram vendendo doces em geral.

O levantamento mostra que a faixa etária com a maior número de crianças encontradas nos semáforos é de 11 a 13 anos, o que representa 48% do total. Em seguida aparecem os adolescentes entre 14 e 17 anos, o que significa 40%, e as crianças de 7 a 10 anos, representam 10% do total.

Meninas são minoria no balanço da Prefeitura - Foto: Fábio Rogério

O dados mostram ainda que em 87% dos casos, as crianças e adolescentes abordados estavam sozinhas nos semáforos, e 13% sob supervisão de um adulto. Para a Sias, o número de crianças e adolescentes encontradas sozinhas nos locais é preocupante, considerando os riscos a que estão expostos diariamente em meio aos veículos, em avenidas de grande movimento, além da própria violência urbana.

O estudo também revelou que crianças e adolescentes do sexo masculino são 81% do total de 84 identificados nos semáforos da cidade. Quanto a cor da pele 70% dos abordados são negros (sendo 56% pardos), e 30% brancos. Já em relação à escolaridade, a taxa de evasão escolar é maior no grupo de 14 a 17 anos, sendo que 22 dos 30 identificados fora da escola estão nessa faixa etária, o que corresponde a 73% dos adolescentes evadidos. Por outro lado, 70% dos abordados disseram que frequentam a escola, o que indica que eles atuam no trabalho infantil em período oposto ao escolar.

Considerando as 110 abordagens, foi constatado que 29 crianças e adolescentes (26%) não estão em acompanhamento pela rede municipal, por meio dos órgãos Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e Centro de Referência Especializado (Creas). Já as demais, 74% já foram atendidas ou continuam em atendimento nesses órgãos.

Para a Sias, os dados mostraram que são necessárias estratégias e intervenções de políticas públicas que permitam a matrícula de adolescentes em período integral, ou oferta de serviços de convivência diários, oposto ao horário escolar, que assegurem atividades de seus interesses, capazes de mantê-los fora do risco do trabalho infantil.

"Minha mãe está desempregada"

"Eu vendo doce na rua porque a minha mãe está desempregada e o meu pai não mora com a gente. Com os doces consigo entre R$ 50 a R$ 100 por dia para ajudar minha mãe." O relato é de um adolescente de 16 anos, que mora no bairro Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutério, o Habiteto. Na tarde de ontem, as mãos que poderiam estar soltando uma pipa e os pés que poderiam estar chutando uma bola de futebol, em um desses campos de terra batida do bairro, estavam a serviço da venda de saquinhos de pipoca, no cruzamento de duas das mais importantes e valorizadas avenidas de Sorocaba: Antônio Carlos Comitre com a Barão de Tatuí. O adolescente contou ao Cruzeiro do Sul que desde os 12 anos vende doces em semáforos da cidade, principalmente na região do Campolim. Com sete irmãos, Leonardo (nome fictício) faz parte de uma triste estatística, que está preocupando o Conselho Tutelar de Sorocaba, por conta do aumento de denúncias sobre trabalho infantil. O órgão recebe uma ou mais denúncias por dia, significando 20 a 30 por mês, principalmente de vendas de doces, balas e chocolates nos cruzamentos.

Com a mãe desempregada, garoto diz que trabalha há quatro anos - Foto: Erick Pinheiro

Preocupado com o aumento das ocorrências de trabalho infantil, o Conselho Tutelar e a Secretaria de Igualdade e Assistência Social (Sias) fizeram uma reunião na tarde de ontem para elaborar uma agenda de ações com foco no combate ao trabalho infantil. A reunião teve também a presença de membros da Polícia Militar, da Guarda Civil Municipal (GCM), representantes do setor de fiscalização da Prefeitura, do Serviço de Obras Sociais (SOS), da Secretaria da Educação (Sedu), e do Centro das Indústrias do Estado (Ciesp). Uma das primeiras ações, ainda neste mês, será uma campanha de conscientização nos principais semáforos para que as pessoas não comprem alimentos que são oferecidos por crianças e adolescentes. Para a coordenadora da Criança, Adolescente e Juventude da Sias, Angélica Lacerda Cardoso, isso é fundamental, para não incentivar ainda mais a ocorrência do trabalho infantil nos semáforos. "Criança não pode estar nos semáforos, ela tem que estar na escola, estar brincando e se desenvolvendo. Ela não tem condições de trabalhar e de suportar o que um adulto suporta." Segundo Angélica, as ações são parte do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), desenvolvido em Sorocaba desde o ano passado.

Trabalho infantil se expande

Além das avenidas mais movimentadas de Sorocaba, as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil também são facilmente encontradas em semáforos nos bairros, em feiras livres, inclusive noturnas, e até em cemitérios. Na tarde de sexta-feira (13), um menino, com no máximo 10 anos, vendia trufas de chocolate no cruzamento das avenidas Elias Maluf e Paulo Emanuel de Almeida, no Wanel Ville, na zona oeste. Além dele, um adolescente, aparentando entre 14 e 16 anos, também disputava espaço no mesmo semáforo, mas para vender pipocas. Enquanto isso, uma mulher, vestida com um avental branco vendia doces no mesmo local.

menino segurava as trufas em uma espécie de bandeja e assim que o semáforo ficava vermelho oferecia as trufas aos motoristas. Um aceitou comprar o doce, mas enquanto esperava para receber o troco, o semáforo abriu, e o menino chamava o adolescente para trocar o dinheiro e dar ao motorista.

Garoto senta à espera do semáforo fechar - Foto: Erick Pinheiro

Correndo risco de ser atropelado, ele e o adolescente disputavam espaços entre os carros e veículos pesados. Além disso, o cruzamento em que estavam tem ao lado um posto de combustível, e o movimento de carros entrando e saindo aumenta ainda mais o trânsito no local. Um descuido e um acidente fatal pode ocorrer. As avenidas do Wanel Ville aparecem em 11º lugar no mapa dos locais com maior abordagens de crianças e adolescentes em situação de rua em Sorocaba.

Na zona norte, em um cruzamento da avenida Ipanema, outro adolescente vendia pipocas na tarde de sexta. Além de abordar os motoristas, ele colocava o produto nos espelhos retrovisores, já com uma espécie de etiqueta mostrando o valor de R$ 2 e justificando a venda: "desculpe o incômodo, só quero trabalhar honestamente, Deus abençoe".

Ontem, no Campolim, dois adolescentes vendiam doces, um no semáforo da avenida Antônio Carlos Comitre com a Washington Luiz, e outro em frente a uma loja. No semáforo o adolescente que contou sua história à reportagem disse que costuma vender doces no local de segunda a sábado. Afirmou que a mãe sabe que ele vende doces no semáforo e que atualmente o trabalho dele é o único dinheiro que entra na casa da família. A mãe trabalhava como ajudante de cozinha como terceirizada para uma grande indústria, mas perdeu o emprego e não conseguiu mais se recolocar no mercado de trabalho. O garoto disse que frequenta a escola e que não gosta do que faz.

Ranking do trabalho infantil

1º - Av. Antônio Carlos Comitre

2º - Av. Ipanema

3º - Alameda do Horto (feira noturna)

4º - Av. Domingos Martins Vieira (feira livre do Júlio de Mesquita)

5º - Av. Edward Frufru Marciano da Silva

6º - Av. Gualberto Moreira (feira livre)

7º - Rua Belo Horizonte

8º - Av. Ipanema (ao lado da Casa do Cidadão)

9º - Bulevar Braguinha

10º - Elias Maluf x Paulo Emanuel de Almeida

Fonte: Sias 

Galeria

Confira a galeria de fotos