Clínica de reabilitação é interditada após vistoria da Vigilância Sanitária
Ação motivada por notificação da Delegacia de Taquarituba apura irregularidades e suspeita de trabalho análogo à escravidão em Araçoiaba da Serra
A Secretaria de Saúde de Araçoiaba da Serra realizou, na manhã de ontem (18), uma operação com vistoria da Vigilância Sanitária, que identificou uma série de irregularidades em uma clínica de reabilitação localizada no Jardim Arco Rio Verde.
A fiscalização apontou problemas relacionados à estrutura física, à alimentação oferecida aos acolhidos e à ausência de alvará de funcionamento. A ação teve início após notificação encaminhada pela Delegacia de Taquarituba, que apura denúncia de trabalho em regime análogo à escravidão. À tarde, uma pessoa foi encontrada nessa situação e o dono da clínica foi detido pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos.
De acordo com o secretário municipal de Saúde, José Mário Florenzo, a clínica, que se chama Comunidade Cristã Terras de Sião, já havia sido parcialmente embargada anteriormente, após outras denúncias feitas dois meses atrás, mas continuava em funcionamento de forma irregular. “Recebemos uma denúncia sobre possível trabalho análogo à escravidão e solicitamos uma vistoria da Vigilância Sanitária, que encontrou irregularidades e gerou duas autuações”, explicou. Posteriormente, novas denúncias encaminhadas pela Polícia Civil e pela Guarda Municipal de Taquarituba levaram à mobilização conjunta dos órgãos envolvidos.
Durante a fiscalização, a Vigilância Sanitária constatou irregularidades tanto estruturais quanto administrativas. Segundo o secretário, foram identificadas falhas na organização do estabelecimento, nos prontuários, nos processos de admissão e alta dos acolhidos, além de problemas no modelo de atendimento voltado à dependência química. Diante desse cenário, foi determinada a interdição imediata da unidade.
Com a interdição, as autoridades estabeleceram um prazo de até dez dias para que o responsável pela clínica providencie o retorno dos acolhidos às famílias ou o encaminhamento para instituições devidamente licenciadas. “Nesse período, a Secretaria de Desenvolvimento Social e a Secretaria de Saúde vão acompanhar o processo para garantir os direitos dessas pessoas”, afirmou José Mário Florenzo.
Paralelamente às medidas administrativas, assistentes sociais ouviram parte dos acolhidos para apurar possíveis violações de direitos. De acordo com a assistente social Agda Ximenes, o trabalho ainda está em fase de avaliação. “Os relatos são frágeis e precisam ser analisados com cuidado para que possamos reunir informações mais consistentes”, explicou.
Conforme destacou a profissional, um dos principais pontos da apuração é a relação entre trabalho e permanência na instituição. “Quando a pessoa troca a força de trabalho por moradia e alimentação, sem salário, contrato ou uma relação justa, isso pode configurar trabalho análogo à escravidão, independentemente das condições do alojamento”, afirmou.
A assistente social ressaltou ainda que a caracterização do crime não cabe à equipe municipal. “Nós realizamos a escuta e encaminhamos os relatos. A avaliação sobre a configuração ou não de trabalho análogo à escravidão é de responsabilidade do Ministério Público do Trabalho”, completou.
Além dessas apurações, a fiscalização municipal investiga a ausência de alvará de funcionamento, enquanto a Polícia Civil apura outras possíveis irregularidades. Um relatório final deverá ser elaborado após a consolidação dos autos de infração, boletins de ocorrência e relatórios técnicos produzidos durante a operação.
Trabalho análogo à escravidão
No período da tarde, a Polícia Federal também passou a atuar no caso. Segundo a Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ao menos uma pessoa foi identificada em situação de trabalho análogo à escravidão.
De acordo com o chefe regional da Fiscalização do MTE, Ubiratan Vieira, a Polícia Federal prestou apoio operacional à Chefia de Fiscalização em Sorocaba e aos auditores do Grupo Especial de Fiscalização Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, coordenados pelo auditor Paulo Warlet.
Ainda segundo Vieira, durante a ação o empresário Charles Assunção foi conduzido pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos, assim como a pessoa identificada como vítima. Após os depoimentos, conforme informou o chefe regional da fiscalização, Charles Assunção foi preso, e o local foi lacrado e a interdição mantida.
O que diz a clínica
Em um primeiro posicionamento pela manhã, a clínica terapêutica negou as acusações de trabalho análogo à escravidão e afirmou que o acolhimento oferecido é 100% gratuito e voluntário, sem cobrança de mensalidades às famílias. Segundo Charles Assunção, responsável pela clínica, o objetivo da instituição é retirar pessoas da rua e auxiliar na recuperação de dependentes químicos e na reconstrução de vínculos familiares. “Os acolhidos podem deixar o local a qualquer momento, ninguém entra em um carro e vai a outra cidade forçado. As atividades externas consistem apenas na busca voluntária por doações, utilizadas para custear a manutenção da chácara.” Ainda de acordo com a direção, a denúncia teria partido de dois recém-chegados, que depois teriam recuado das acusações.
Após a ação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Polícia Federal no período da tarde, o advogado da clínica, Michel Richard Pereira, encaminhou nova nota à reportagem afirmando que o responsável pela instituição não foi preso. Segundo ele, há um prazo de dez dias para a apresentação de defesa em relação à interdição determinada pela Vigilância Sanitária.
Ainda de acordo com o advogado, o secretário da Vigilância Sanitária teria informado que, com a regularização das pendências apontadas, a clínica poderá voltar a operar normalmente. “Há um prazo de 10 dias para apresentarmos defesa sobre a interdição da Vigilância Sanitária. Inclusive, o secretário da Vigilância Sanitária afirmou que, regularizando as pendências, a instituição poderá operar normalmente”, diz o texto.
Na nota, a administração da Comunidade Cristã Terras de Sião afirmou ainda que está adotando todas as medidas necessárias para a devida regularização, tratando com seriedade e responsabilidade cada item apontado no relatório da fiscalização, em conformidade com a legislação vigente.
Investigação começou em Taquarituba
A investigação teve início na tarde de segunda-feira (15), quando guardas municipais de Taquarituba encontraram pacientes da clínica de Araçoiaba da Serra vendendo sacos plásticos nas ruas da cidade. Questionados, eles informaram que a atividade tinha como objetivo custear o tratamento. Os pacientes foram levados à delegacia, onde prestaram depoimento, e os objetos foram apreendidos.
O caso foi registrado na Delegacia de Taquarituba como localização/apreensão de objeto e de veículo e redução à condição análoga à de escravo.
Após o registro das denúncias e a notificação à Secretaria de Saúde de Araçoiaba da Serra, a Vigilância Sanitária realizou, por volta das 6h de ontem (18), uma vistoria no local. O proprietário da clínica autorizou a entrada das equipes. No interior do imóvel, foram realizadas buscas, e foi constatado que um dos internos possuía mandado de prisão em aberto. Ele foi conduzido ao Plantão Policial para as providências legais.
Com o apoio do Canil da Guarda Civil Municipal (GCM) de Sorocaba, os agentes também realizaram uma varredura na área externa da clínica. Cães farejadores localizaram dois notebooks escondidos em uma área de mata nas proximidades do imóvel. Os equipamentos foram apreendidos para averiguação.
Diante das irregularidades constatadas, a Vigilância Sanitária determinou a interdição total da clínica. Todos os 70 internos foram qualificados e receberam prazo de dez dias para retornar às suas cidades de origem e famílias. Aqueles que não possuírem local para retorno serão encaminhados para clínicas de reabilitação devidamente habilitadas.