A iniciativa faz parte do projeto “Passeios Culturais”. Foto: Fábio Rogério (17/08/2019)

A experiência de visitar cemitérios para enterrar e homenagear os mortos, em meio a momentos de dor e angústia, foi feita na tarde deste sábado (16) por 40 pessoas, no cemitério da Saudade, com um olhar diferente: em vez de tristeza e luto, o clima foi de passeio com estímulo à curiosidade, às revelações ocultas no tempo, à busca de conhecimento sobre a história e a cultura que compõem a identidade de Sorocaba.

A iniciativa faz parte do projeto “Passeios Culturais”, numa realização da Prefeitura, da Secretaria de Cultura e Turismo e da Biblioteca Infantil Municipal. O grupo tem a orientação do pesquisador José Rubens Incao, também diretor da Biblioteca Infantil, que atrai a atenção dos grupos de visitantes com os relatos de personalidades sepultadas no cemitério, as muitas histórias do local e os significados das obras de arte existentes desde a entrada principal até aos túmulos e jazigos.

O coordenador de estoque Sandro Aranha, de 40 anos, foi o primeiro do grupo a chegar à porta do cemitério antes do início da programação, às 15h. Ele falou sobre o seu foco de interesse: “Várias personalidades que têm relação com a história da cidade estão sepultadas aqui.”

A conselheira tutelar Michele Daniela Negreti de Freitas, de 40 anos, descreveu sua impressão do cemitério: “Como tudo na vida tem começo, meio e fim, aqui seria o fim de um tempo.” A professora Samanta Souza, de 26 anos, compareceu para conhecer um pouco mais da cidade: “Aqui tem uma riqueza artística, simbólica, que é muito interessante. É uma das coisas que me interessam: entender os símbolos históricos e artísticos que existem no cemitério.”

Incao, por sua vez, disse que cemitérios são locais cheios de religiosidade, arte, simbologia, arquitetura, construção, e refletem a cidade em seus aspectos éticos, econômicos, sociais: “Cemitérios são os vivos presentes na casa dos mortos.”

Celeiro de histórias

O pesquisador começou o passeio com a identificação dos símbolos dos detalhes contidos no pórtico de entrada do cemitério e no espaço que fica em frente, a praça Pedro de Toledo. Os detalhes têm inspirações em legados gregos e romanos e a figura do Cristo, na parte alta e central do pórtico de entrada, evoca a ressurreição.

A praça, conhecida antigamente como Largo do Piques, serviu desde 1840 como local para tropas de muares e também ali foi instalada uma forca. Sete escravos condenados por crimes foram enforcados no lugar. A população assistia aos enforcamentos. Os proprietários de escravos levavam os seus cativos para assistir às execuções com o intuito de inibir desvios de comportamento com o exemplo das punições.

Incao mostrou contradições nas criações dos artistas quanto aos símbolos contidos nas obras de arte. No túmulo de uma garotinha, a imagem de Cristo tem uma criança no colo e recebe outra imagem que reconstitui a menina morta: “É um sentido de conforto para a mãe.” Num túmulo localizado bem próximo, em sentido oposto, se destaca a imagem de um Cristo arcado com o peso da cruz: “É um sentido de dor.”

O cemitério da saudade começou a funcionar em 1863. Em área atual é de 45 mil metros quadrados, tem 7.840 sepulturas perpétuas. Dados de 2007 informavam que o local tinha 76.338 pessoas sepultadas.

Personalidades

Entre as personalidades ali sepultadas estão os religiosos João de Camargo e Monsenhor João Soares do Amaral, o professor Francisco de Paula Xavier de Toledo, o ferroviário e historiador Antonio Francisco Gaspar, o sacerdote e historiador Aluíso de Almeida. E a menina Julieta Chaves, que aos 7 anos desapareceu de casa e foi encontrada morta junto ao córrego Itabacaí, vítima de violência. Esta morte gerou grande comoção na cidade. A população se uniu para a construção de um túmulo feito em mármore. Posteriormente um novo túmulo foi construído em forma de capelinha, numa doação do empresário Nicolau Scarpa.

Devido à procura de interessados, um novo grupo de visitantes ao cemitério da Saudade será formado para um novo passeio que acontecerá no próximo sábado, às 15h. A inscrição pode ser feita na Biblioteca Infantil pelo telefone. (15) 3231.5723.