Conflitos familiares em alta exigem mais diálogo e escuta

Especialistas alertam que brigas em casa deixam marcas emocionais profundas, especialmente nas crianças, e indicam que a terapia seja iniciada ainda na infância

Por Vanessa Ferranti

Ambientes marcados por discussões e falta de compreensão podem afetar o equilíbrio emocional de todos

Os conflitos familiares são frequentes e podem surgir de divergências sobre finanças, criação dos filhos ou divisão das tarefas domésticas. Quando não encontram espaço para o diálogo, essas tensões podem se tornar mais graves e, muitas vezes, se transformar em processos judiciais. Reportagem publicada pelo Cruzeiro do Sul em 30 de setembro mostrou que a maioria dos casos que chega à Defensoria Pública de Sorocaba — entre 60% e 70% — envolve esse tipo de conflito.

Os números também são expressivos nas Varas da Infância e da Juventude. Levantamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Sorocaba, divulgado em reportagem publicada em 30 de agosto, apontou que, em 2019, havia quase 4 mil processos em andamento em apenas uma vara. Em 2024, esse número subiu para 5,5 mil. Mantida essa média, nas quatro varas o total ultrapassaria 20 mil processos. Já o Tribunal de Justiça (TJ) informou, na ocasião, que havia cerca de 13 mil ações da área de família em andamento na comarca.

Segundo a terapeuta e mestra em Psicologia da Educação, Daniela Mendes, os conflitos familiares deixam marcas profundas, principalmente quando ocorrem na infância. “A criança não possui maturidade suficiente para compreender ou elaborar as experiências que vive. Em vez disso, absorve as situações com interpretações limitadas, muitas vezes acreditando que a culpa é sua ou que há algo de errado com ela. Essas crenças formam padrões emocionais inconscientes que influenciam a forma como o adulto se relaciona consigo mesmo, com os outros e com o mundo”, explica.

Mendes ressalta que uma criança criada em um ambiente com pouco afeto pode, na vida adulta, ter dificuldades para confiar nas pessoas e estabelecer vínculos saudáveis. Já aquelas muito criticadas desde cedo tendem a desenvolver uma autocrítica severa. “Essas dores emocionais não desaparecem com o tempo. Elas se manifestam em comportamentos, emoções e reações desproporcionais diante de certas situações, como ansiedade, insegurança, medo de abandono e necessidade excessiva de aprovação”.

Por isso, a especialista defende que a terapia é fundamental e pode começar ainda na infância. “É essencial realizar uma terapia eficaz para curar essas feridas e construir uma vida mais consciente e saudável. Porém, a pessoa deve querer. Em atendimento, já aconteceu de a pessoa ser motivada por amigos e familiares a fazer terapia, mas ela não via isso como algo importante”.

Lidar com os problemas no dia a dia

A terapeuta enfatiza que o ideal é que haja um acompanhamento profissional, pois ele vai até a raiz do problema. No entanto, há estratégias para lidar com os conflitos cotidianos.

Entre elas está a escuta ativa: em vez de preparar uma resposta enquanto o outro fala, é importante realmente compreender o que está sendo dito. Muitas vezes, a pessoa só deseja ser ouvida.

“Respire fundo antes de responder, especialmente em momentos de tensão. Uma resposta impulsiva pode intensificar o conflito. Dar alguns segundos para pensar ajuda a trazer mais clareza e calma”.

Outro ponto essencial é evitar julgamentos, acusações ou generalizações, como “você sempre faz isso”. A recomendação é expressar como se sente e o que precisa. “Se estiver emocionalmente abalado, adie a conversa. Fale quando estiver mais calmo, com a cabeça no lugar. Emoções intensas dificultam o diálogo saudável”.

Também é importante procurar entender o que o outro está sentindo ou precisando, mas é necessário se posicionar. “Evitar conflitos não significa se anular. É fundamental dizer ‘não’ quando necessário, mas com respeito e firmeza. Estabelecer limites é essencial. O foco deve estar no que precisa ser resolvido, não em quem ‘está certo’ ou ‘errado’. Ataques pessoais apenas aumentam a tensão e dificultam qualquer solução”.

Por fim, Mendes lembra que as crianças são as mais afetadas. “Quando presenciam brigas entre os pais, elas não deixam de amar os pais, mas podem deixar de amar a si mesmas.” Por isso, evitar discussões na frente delas é fundamental.