Feira de cutelaria reúne artesãos e histórias

Por Cruzeiro do Sul

Daniel Dynia venceu a categoria geral com adaga artesanal de madeira, couro e metal

O Instituto Humberto de Campos, em Sorocaba, recebeu artesãos de várias partes do Brasil nos dias 23 e 24 para um encontro marcado pela prática e pela história da cutelaria. Mais do que expor facas, o evento reuniu trajetórias pessoais, escolhas de vida e o compromisso com um ofício manual que atravessa gerações. O espaço de exposição se transformou em ponto de encontro de quem escolheu dar forma ao metal como caminho de vida.

Carlos Eduardo Sturaro, conhecido como Du Sturaro, foi um dos destaques do evento. Com dez anos de dedicação ao ofício, ele se especializou na produção artesanal de facas em aço damasco, técnica que domina com precisão. Em março deste ano, representou o Brasil na França e conquistou o título de campeão mundial de aço damasco, em uma competição que reuniu artesãos de diversos países. No desafio, teve apenas quatro horas para forjar e finalizar a lâmina — tempo suficiente para demonstrar sua habilidade e controle sobre o metal. Além do título internacional, Du já expôs seu trabalho em oito feiras na Europa e é reconhecido pela qualidade e originalidade das peças que fabrica manualmente, do início ao fim.

Mecânico de máquinas antes de se tornar cuteleiro, ele viu na cutelaria uma nova possibilidade de vida após a pandemia e uma separação pessoal. “Desde pequeno a gente se interessa por faca”, contou. Hoje, vive exclusivamente da fabricação artesanal. “Eu foco em um trabalho totalmente feito à mão. Guardo a primeira faca que fiz até hoje”, relembra Du Sturaro.

O evento recebeu artesãos de seis estados — Bahia, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul — e reforçou o papel de Sorocaba como referência nacional na área. A cidade, berço da tradicional faca sorocabana, mantém viva a memória do tropeirismo e, com ela, o prestígio da lâmina como ferramenta essencial.

Durante a feira, iniciantes e experientes participaram de uma competição dividida em 15 categorias: Faca Iniciante, Canivete, Faca de Caça, Canivete Tático, Faca Bowie, Faca de Arte, Faca de Campo, Faca Rústica, Faca Sorocaba, Faca de Cozinha, Faca Gaúcha, Faca Utilitária, Espada, Faca de Aço Damasco e Categoria Geral. As peças foram inscritas diretamente nas mesas dos expositores pela equipe organizadora, que percorreu todo o evento. A premiação mais aguardada foi a da Categoria Especial “The Best of the Best”, que ofereceu R$ 10 mil ao melhor trabalho apresentado.

Dionatam Franco, cuteleiro há 25 anos e jurado na competição, acredita que o que move quem se dedica a esse ofício vai além da técnica. “Escolhe uma coisa que você gosta pra fazer, que o sofrimento durante o percurso se torna menos potente”, disse. Para ele, toda faca, por mais adornada que seja, precisa ser uma ferramenta antes de qualquer coisa. “Pode ter ouro, o que for. Mas tem que cortar, tem que funcionar.”

Franco também destacou a variedade presente na feira. “Aqui você pode encontrar de tudo — desde facas, adagas e espadas, até couro e outros materiais para confecção das bainhas”, ressaltou.

Daniel Dynia, de 27 anos, veio de Resende (RJ) e venceu a categoria geral com uma adaga feita à mão — peça que também chamou atenção pela bainha construída em madeira, couro e metal. “Na competição, não havia uma categoria específica para adagas, então automaticamente fui para a disputa geral, e minha produção foi eleita a vencedora na Categoria Especial ‘The Best of the Best’”, explicou.

Ele começou a se interessar por ferramentas ainda criança. “Enquanto o pessoal ia pro videogame, eu não podia ver uma caixa de ferramentas que já queria pegar escondido. Fui crescendo com esse interesse pela produção artesanal”, lembrou. Desde 2021, passou a fazer facas com regularidade, e há cerca de um ano e meio vive exclusivamente da cutelaria. Já são 17 prêmios acumulados em feiras pelo Brasil.

Mais do que exposição ou comércio, o encontro em Sorocaba revelou histórias entrelaçadas pela dedicação, paciência e desejo de transformar matéria bruta em algo duradouro. (Murilo Aguiar - programa de estágio)