Justiça condena Estado de São Paulo por intermediação ilegal de trabalho infantil
Escolas de Porto Feliz teriam direcionado adolescentes a atividades proibidas por lei; decisão impõe multa e medidas corretivas
A Justiça do Trabalho condenou o Estado de São Paulo ao pagamento de R$ 2 milhões por danos morais coletivos, após a constatação de que escolas públicas estaduais de Porto Feliz, Região Metropolitana de Sorocaba, facilitaram a contratação de adolescentes para atividades proibidas por lei. A decisão, assinada pelo juiz Valdir Rinaldi da Silva, do Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) de Sorocaba, também impõe medidas para evitar novas violações.
A sentença atendeu a um pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), que apurou a prática de trabalho infantil com participação direta de escolas da rede estadual e da Diretoria de Ensino de Itu. Segundo a investigação, estudantes menores de idade estavam sendo direcionados a postos de trabalho sem vínculo formal como aprendizes, com jornadas acima do permitido e com uso de atestados irregulares para justificar mudanças de turno escolar. Essas práticas foram registradas em todas as escolas de ensino médio do município.
De acordo com a sentença, cerca de 300 adolescentes atuavam em atividades consideradas incompatíveis com a legislação. Entre as funções exercidas estavam babá, lavador de carros, ajudante de caminhão, serviços de limpeza e trabalhos em supermercados, laticínios, marcenarias, indústrias têxteis e na construção civil. Em pelo menos três casos, jovens de 15 anos cumpriam jornadas de até dez horas diárias, sem contrato regular.
Embora o caso tenha tido origem em Porto Feliz, os dados apurados indicam um padrão mais amplo. Para o MPT, o quadro revela um cenário sistêmico, em que o trabalho de adolescentes — e, em alguns casos, de crianças — é intermediado ou fomentado por escolas da rede estadual.
A condenação obriga o Estado a suspender qualquer forma de intermediação de trabalho irregular envolvendo adolescentes. Também deverá fiscalizar pedidos de mudança de turno escolar motivados por atividade laboral e comunicar eventuais irregularidades aos órgãos competentes. O prazo para cumprimento das obrigações é de 120 dias, sob pena de multa diária de R$ 5 mil por item descumprido. O valor da indenização será destinado a um projeto indicado pelo Comitê de Combate ao Trabalho Infantil do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
Além das contratações ilegais, a investigação revelou o uso indevido do instrumento de estágio. Relatórios do MPT e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) identificaram adolescentes atuando em funções sem relação com a formação escolar, com carga horária superior ao limite legal. Em um supermercado, por exemplo, foram encontrados 11 estagiários operando caixas — a maioria com menos de 16 anos. Também foram registrados casos de adolescentes em açougues, na limpeza, em atividades de picagem de fumo e em funções não previstas para estágio regular.
Segundo Ubiratan Vieira, chefe regional do setor de inspeção do trabalho do MTE, mais de cem irregularidades foram encontradas nas cidades de Sorocaba e Votorantim em um período de 12 meses. Ele destacou casos de estagiários recebendo valores inferiores ao mínimo recomendado e trabalhando até 42 horas por semana, quando o permitido é de 30 horas, com vínculo sem relação com o curso.
O que dizem os envolvidos?
Em resposta às acusações, a Diretoria de Ensino de Itu alegou que as ocorrências estão relacionadas à vulnerabilidade social das famílias, sendo o salário dos estudantes, em muitos casos, a única fonte de renda doméstica.
O Estado recusou a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), argumentando que a responsabilidade sobre os estágios é compartilhada com outros agentes envolvidos no processo.
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo foi questionada sobre a condenação e, por meio da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), respondeu que foi notificada da decisão e está analisando as medidas judiciais cabíveis. (Murilo Aguiar - programa de estágio)