Casos de abandono infantil reacendem alerta sobre vulnerabilidade de crianças em Sorocaba
Duas ocorrências graves em menos de dez dias expõem falhas no cuidado familiar e reforçam a importância da rede de proteção
Duas ocorrências registradas em menos de dez dias, envolvendo crianças em situação de abandono e maus-tratos, reacenderam o alerta sobre a vulnerabilidade de menores em Sorocaba. Os casos, que ocorreram nos bairros Parque das Laranjeiras e Parque Vitória Régia, ambos na zona norte da cidade, resultaram em investigações policiais e atuação imediata da rede municipal de proteção à infância.
Em um deles, em 14 de julho, duas crianças, de 10 e 12 anos, foram encontradas sozinhas em uma casa na rua Willian Cannavam, Parque das Laranjeiras. A residência estava em condições insalubres, com acúmulo de lixo, fezes e roupas espalhadas. No local, também havia dois cães em situação de maus-tratos. A Guarda Civil Municipal (GCM) e o Departamento de Bem-Estar Animal foram acionados após o chamado da equipe da vereadora Jussara Fernandes (Republicanos).
As crianças foram resgatadas pelo Conselho Tutelar e encaminhadas a familiares. A mãe foi responsabilizada criminalmente por abandono de incapaz, enquanto os animais foram levados para cuidados da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), que também autuou a tutora por maus-tratos.
Menos de uma semana depois, em 21 de julho, um novo caso chocou os moradores da cidade. Três irmãos, com idades entre 10 meses e 4 anos, foram encontrados em condições precárias de higiene em uma residência no Parque Vitória Régia. A denúncia chegou ao Conselho Tutelar por telefone e motivou uma ação conjunta com a GCM.
Segundo a Prefeitura de Sorocaba, as crianças apresentavam sinais de assaduras, picadas de pulga e estavam com fome. Um dos irmãos estava sob os cuidados de uma vizinha, enquanto os outros dois foram localizados em situação de abandono — um deles, um bebê, estava confinado em um cercado infantil. Os três foram levados ao Conselho Tutelar, receberam banho, alimentação e, posteriormente, foram encaminhados ao abrigo municipal.
A Polícia Civil investiga o caso como abandono de incapaz e maus-tratos. O boletim de ocorrência foi registrado no 8º Distrito Policial. Conforme o relato da conselheira tutelar, a família já era acompanhada pelos órgãos de proteção e, em atendimento anterior, o avô materno havia assumido a guarda das crianças. No entanto, as crianças foram posteriormente devolvidas à mãe — usuária de drogas — sem consentimento do Conselho. Até o encerramento do registro da ocorrência, a mãe não havia sido localizada.
Rede de proteção
Conforme dados fornecidos pela Secretaria da Cidadania (Secid) de Sorocaba, por meio da Vigilância Socioassistencial, o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi) atendeu, somente em 2024, um total de 942 crianças e adolescentes. Desses, 416 foram vítimas de violência intrafamiliar, 206 sofreram abuso sexual, 355 enfrentaram negligência ou abandono e 165 estavam em situação de trabalho infantil. No primeiro semestre de 2025, já são 535 atendimentos, com 149 casos de violência intrafamiliar, 47 de abuso sexual, 81 de negligência ou abandono, e 34 de trabalho infantil.
Ao identificar casos de violência ou abandono, o Conselho Tutelar de Sorocaba adota medidas imediatas, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A prioridade é garantir a permanência da criança na família extensa — como avós, tios ou irmãos maiores — antes de recorrer ao acolhimento institucional. Quando não há possibilidade de convivência segura com familiares, as crianças são encaminhadas a abrigos ou ao programa de Família Acolhedora, coordenado pela própria Secid.
A rede municipal também garante suporte psicológico, médico e assistencial às vítimas, por meio de articulação entre os serviços de saúde, assistência social e, quando necessário, acompanhamento especializado. O atendimento é individualizado e busca garantir não só os direitos imediatos da criança, mas também seu bem-estar a longo prazo.
Nos casos em que há reincidência, as ações da rede de proteção são intensificadas. As famílias são acompanhadas pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), que executam o Paefi, com foco na orientação e prevenção de novas violações de direitos.
Responsabilização e articulação
Quando configuradas infrações administrativas ou penais, o Conselho Tutelar realiza o encaminhamento do caso ao Ministério Público ou à Polícia Civil. Os responsáveis podem responder civil e criminalmente, conforme prevê o ECA e o Código Penal.
A articulação entre os diversos órgãos é feita de forma coordenada: o Conselho Tutelar atua em conjunto com as secretarias municipais da Cidadania, Saúde e Educação, além do Ministério Público e do Poder Judiciário, formando a estrutura do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGD). A resposta integrada permite uma atuação mais ágil e eficaz diante das situações de risco.
Reflexo social e atenção contínua
Os registros de maus-tratos e abandono infantil em Sorocaba ocorrem em um contexto que exige atenção contínua das autoridades e da rede de proteção. De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria da Cidadania, centenas de crianças e adolescentes têm sido atendidas anualmente em situações de vulnerabilidade, como negligência, abuso sexual e violência doméstica.
A administração municipal informa que, diante desse cenário, as ações de acompanhamento social são mantidas mesmo após a intervenção inicial. Famílias reincidentes ou com histórico de violações são monitoradas pelos Creas, responsáveis pela execução do Paefi, que oferece apoio psicossocial e orientação às famílias com o objetivo de evitar novas ocorrências.
A atuação conjunta entre Conselho Tutelar, Secretarias de Cidadania, Saúde, Educação, além do Ministério Público e Poder Judiciário, é organizada com base nas diretrizes do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGD). Esse modelo permite que as medidas adotadas em casos como os recentes tenham continuidade e acompanhamento por parte dos órgãos competentes.
Além da resposta emergencial, a prefeitura afirma que o trabalho de prevenção e fortalecimento de vínculos familiares é parte do planejamento da rede socioassistencial. Os atendimentos incluem, sempre que necessário, a oferta de benefícios eventuais, inclusão em programas sociais e encaminhamento a serviços de saúde ou educação, de acordo com o perfil e as necessidades de cada caso atendido. (João Frizo - programa de estágio)