Moradores do Cafundó estão sem receber por mineração em suas terras desde 2019

Ministério Público Federal entra com ação para auxiliar comunidade quilombola em Salto de Pirapora

Por Thaís Verderamis

Território sofre com invasões e há extração de areia que é questionada

Os moradores do Cafundó, em Salto de Pirapora, vêm enfrentando ameaças e invasões em seu território. A comunidade surgiu a partir de um quilombo e é uma grande referência cultural — já foi retratada em livros e filmes.

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública contra a União Federal, contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e contra a Agência Nacional de Mineração (ANM) por conflitos agrários e pela mineração ilegal. “Foram efetuadas visitas que permitiram constatar graves violações aos direitos da comunidade tradicional pelo Poder Público”, diz o MPF.

Na ação, o MPF considera que “a comunidade do quilombo Cafundó vem sofrendo com ameaças e incursões diretas em seu território tradicional, inclusive com edificações, bem como atividades de extração mineral que ameaçam o equilíbrio ambiental do local e usurpam recursos do subsolo sem nenhum beneficio revertido à população, sendo tudo isso de pleno conhecimento do Incra.”

Segundo relato da coordenadora da comunidade, Lucimara Rosa de Aguiar, de 49 anos, há quatro gerações antigos moradores do terreno cederam parte da área para uma mineradora, que retira areia. Após o terreno ser repassado para a comunidade quilombola, a mineradora continuou atuando no local, com o dever de pagar regularmente um valor, mas não cumpre com a obrigação, diz ela.

“Quando as terras vieram de volta para nós dos grileiros (pessoas que falsificam documentos para tomar posse de terras ilegalmente) que tinham pegado, essa mineradora já estava no local. Não fomos nós que cedemos, então ficou aquela guerra. Eles ficaram na gleba D e tem que pagar os royalties, como se fosse um aluguel, conforme vai tirando a areia, vai pagando uma porcentagem por mês. Só que essa porcentagem não está sendo por mês, está atrasada desde 2019. Nós sempre vamos lá, conversamos e eles não pagam que é devido”, descreve Lucimara.

O Incra explica que já existia mineração no território do Cafundó antes do início dos trabalhos de regularização fundiária, em fevereiro de 2005. “O que houve é que o contrato com a mineradora foi transferido do antigo ocupante para a comunidade. Nesse caso, trata-se de atividade autorizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM).” A ANM, por sua vez, foi questionada pelo Cruzeiro do Sul e não se manifestou.

Há ainda questões de invasão de terras da comunidade. “O Incra reportou que tem conhecimento e está atuando para a solução de um conflito em que um proprietário de lote, no Loteamento Alpes do Sarapún, está construindo algumas benfeitorias na divisa da Gleba C, com possível sobreposição à parte do território quilombola”, de acordo com o MPF.

Sobre isso, o Incra informou que foi aberto um processo a respeito, com visitas no local, e que se for constatado sobreposição no terreno da comunidade, “medidas administrativas e judiciais deverão ser tomadas para que o proprietário recomponha o local”. O Incra também foi questionado a respeito da regularização das terras e informou que não há risco para a comunidade de perda do território. “Em relação às glebas ainda não tituladas, há ações judiciais em curso, mas de forma pacífica, sem invasões do território.”

Os moradores do Cafundó disseram que não tinham conhecimento da ação do MPF. “A Associação Remanescente de Quilombo Cafundó informa que até o presente momento não teve acesso à íntegra da ação mencionada, uma vez que não foi formalmente intimada”, de acordo com o advogado Dyego Freitas, que representa a comunidade.

Quanto a isso, o MPF mencionou que a comunidade quilombola não é parte formal da ação (autor ou réu), o que dispensa que ela seja oficialmente notificada a respeito do processo. “No entanto, o MPF mantém contato periódico com seus representantes, tanto para avisá-los de providências relevantes quanto para colher informações para eventuais novas medidas judiciais. Nos últimos meses, o MPF ajuizou diversas ações civis pública relacionadas a direitos e interesses da comunidade.”

O MPF afirma ainda que tudo que está documentado na ação foi informado pelos próprios moradores em visitas técnicas e que “as investidas da mineração também se comprovam por dados da ANM, que revelam o andamento de procedimentos de autorização para pesquisa que abrangem toda a extensão do quilombo”.

Danos e recuperação

A ação do MPF pede relatórios bimestrais a respeito do andamento da tutela do território e do patrimônio do quilombo e a suspensão de toda exploração mineral. Os representantes do Ministério Público Federal solicitam que a União, por intermédio do Ibama, apresente em 60 dias uma análise pericial sobre as atividades minerárias e danos socioambientais, prejuízos no solo, aos lençóis freáticos, cursos d’água, fauna local e ao modo de vida da população, e assim sejam estabelecidas as medidas necessárias para a recuperação, tempo e custos estimados.

Além disso, conforme propõe a ação, a União, a ANM e o Incra poderiam ser condenados a arcar com uma multa de, no mínimo, R$ 2 milhões, referentes a danos morais coletivos.