Ipês têm estratégias de sobrevivência e reprodução adaptadas

Clima brasileiro é um desafio para a planta e suas flores, uma das mais populares do País

Por Cruzeiro do Sul

Florada ocorre do inverno até o início da primavera, quando outras plantas não estão florindo; isso reduz a concorrência por polinizadores como abelhas e pássaros

Durante o período de estiagem, quando a vegetação aparenta estar em pausa e muitas árvores perdem folhas, os ipês ganham destaque nas paisagens urbanas e rurais com uma explosão de flores. A escolha dessa época para florescer não é aleatória. Segundo o engenheiro agrônomo Clébson Ribeiro, trata-se de uma estratégia evolutiva que aumenta as chances de sucesso reprodutivo das espécies.

“A florada ocorre do inverno até o início da primavera, justamente quando outras plantas não estão florindo. Isso reduz a concorrência por polinizadores como abelhas e pássaros, que são os principais responsáveis pela polinização dos ipês”, explica o agrônomo. Essa dinâmica permite que a árvore concentre sua energia na reprodução em um período mais vantajoso do ponto de vista ecológico.

De acordo com Ribeiro, a evolução das espécies de ipê se deu por meio de processos de seleção natural. As árvores que floresceram em épocas de menor competição por agentes polinizadores obtiveram maior sucesso reprodutivo e, por isso, prevaleceram ao longo do tempo. O resultado pode ser visto hoje nas ruas, avenidas e áreas verdes, onde os ipês se destacam justamente por escolher um período atípico para florir.

Além do período da florada, a própria estrutura das flores foi moldada pela coevolução com os polinizadores. Ribeiro destaca que há características específicas, como a presença de linhas que orientam visualmente os insetos e aves até o néctar. Nesse trajeto, o pólen adere ao corpo dos animais, que o transportam até outras flores, possibilitando a fecundação. No caso dos ipês, a polinização é cruzada: o pólen de uma árvore deve ser levado até outra para garantir maior diversidade genética.

Diversidade

A diversidade de espécies também chama atenção, variando entre ipê-roxo, amarelo, branco, rosa e até verde. Em geral, pertencem à mesma família botânica, mas podem apresentar diferenças quanto à forma, hábito e período de floração. Em Sorocaba, por exemplo, localizada entre os biomas da Mata Atlântica e do Cerrado, o ipê-roxo costuma florescer primeiro, entre maio e junho. Em seguida, surgem as flores do ipê-amarelo, depois do rosa e, por fim, do branco, já no fim do inverno e início da primavera.

A distribuição das sementes também está relacionada ao período seco. Após a fecundação, o fruto do ipê libera sementes leves e aladas, que se dispersam pelo vento. “Se fosse em época de chuvas, essas sementes ficariam grudadas, não conseguiriam se espalhar. O clima seco e com vento favorece tanto a polinização quanto a propagação das espécies”, afirma Ribeiro.

Mesmo em solos pobres, os ipês conseguem se desenvolver. Isso se deve à capacidade de adaptação dessas árvores ao solo brasileiro, muitas vezes ácido e com poucos nutrientes. “A planta pode não atingir todo o potencial de crescimento em solos fracos, mas ela ainda assim floresce. Aqui na região, os solos são arenosos e pouco férteis, mas isso não impede a florada, justamente porque os ipês estão adaptados a essas condições”, ressalta o engenheiro.

Estética e equilíbrio

A presença de ipês nas cidades vai além da estética. Para Clébson Ribeiro, essas árvores prestam importantes serviços ambientais: ajudam a filtrar a poeira do ar, produzem oxigênio, umidificam o ambiente por meio da transpiração e contribuem para a redução da temperatura nas áreas urbanas por meio da sombra. “Esses benefícios impactam diretamente a qualidade de vida das pessoas que vivem nas cidades. Árvores em calçadas, praças e canteiros tornam o espaço urbano mais equilibrado”, afirma.

A arborização também tem valor simbólico e educativo. O plantio de ipês e outras espécies em áreas de grande circulação chama atenção dos moradores e visitantes, gerando um efeito de conscientização. “Quando alguém vê uma avenida com ipês floridos, isso causa impacto visual. É comum que as pessoas se sintam motivadas a plantar uma árvore ou preservar as que já existem”, observa Ribeiro.

Segundo o agrônomo, a influência do ambiente urbano na diversidade das árvores é significativa. “Em áreas metropolitanas, muitas espécies de ipê foram introduzidas por meio da troca de sementes entre regiões. Por isso, é comum encontrar variedades que não são originalmente nativas de determinada cidade, mas que se adaptaram ao clima e florescem em diferentes épocas do ano, criando uma sequência contínua de floradas”, explica.

A floração dos ipês, portanto, não é apenas um fenômeno visual. Em um país com alta biodiversidade e clima variado, como o Brasil, essas árvores desempenham um papel importante tanto nos ecossistemas naturais quanto na construção de paisagens urbanas mais sustentáveis. (Murilo Aguiar - programa de estágio)