Em meio ao trânsito, eles se tornam invisíveis

Crianças e adolescentes continuam a trabalhar nos semáforos de Sorocaba, principalmente, com vendas de produtos

Por Wilma Antunes

Crianças e adolescentes se arriscam em meio ao trânsito para vender doces e complementar a renda familiar.

Debaixo de sol escaldante, um grupo composto por aproximadamente oito menores lidam com a amarga tarefa de vender doces nos semáforos do Trevo da Vida, zona Sul de Sorocaba. Nos papéis grampeados aos pacotes, há um recado para os potenciais clientes: “Ajude-me por apenas R$ 2”. Os preços dos produtos variam, mas sempre estão abaixo do que é cobrado nos mercados. O contato entre os jovens e quem passa pelo local é rápido, dura aproximadamente um minuto e meio. Entretanto, a árdua missão de encontrar um comprador para os doces se repete todos dias, até o pôr do sol.

Este não é o único lugar de Sorocaba em que o trabalho infantil ocorre. Há inúmeros relatos de pessoas que passam pela cidade e avistam menores de idades envolvidos em atividades exploratórias. Em alguns casos, o trabalho é consequência da realidade cruel que passam as famílias em situação de vulnerabilidade social. A incerteza de não saber como será o dia de amanhã força os jovens a deixarem sua ingenuidade de lado para colocar o pão na mesa de seus lares.

Entretanto, o conjunto de normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afirma que uns dos deveres do Estado é assegurar aos jovens (até 18 anos), com absoluta prioridade, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O ECA ainda determina a elaboração de políticas públicas para executar ações destinadas a coibir situações em que os menores de idade são expostos à tratamento cruel ou degradante.

Segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT), há 21 inquéritos ativos contra empresas que atuam na cidade, cujo tema é trabalho de pessoas com menos de 18 anos. Deste número, 15 são relativos à cota legal de aprendizagem e seis têm relação direta com a exploração do trabalho infantil. Em outros municípios da região atendidas pelo órgão, existem outros 16 inquéritos em andamento, totalizando 37 procedimentos com o tema. Ainda conforme o MPT, nenhuma empresa foi denunciada por exploração de jovens em 2021.

Em contrapartida, nas demais cidades da área foram protocoladas 37 denúncias relacionadas ao trabalho de menores de idade -- sendo casos de trabalho infantil e trabalho protegido de adolescentes (aprendizagem). Para mudar esse cenário, a Prefeitura de Sorocaba assumiu em fevereiro de 2020 o compromisso com Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), por meio do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), para erradicar a exploração do trabalho infantil. De 2019 a 2021, o MPT Sorocaba firmou 18 termos de ajuste de conduta com empresas que exploraram o trabalho infantil.

Crianças invisíveis

A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXXIII, prevê a proibição do trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz. O coordenador do Juizado Especial da Infância e da Adolescência (Jeia) de Sorocaba, juiz do Trabalho e titular da 4ª vara do Trabalho, Valdir Rinaldi, disse ao Cruzeiro do Sul que os jovens explorados nos semáforos da cidade se tornam “invisíveis”.

“Por trás das balinhas sempre existe um explorador. Pode ser empresas ou adultos que compram aqueles doces e distribuem para essas crianças revenderem. Em Sorocaba, essa situação é bastante expressiva, mas é invisível. Se você vê isso e não se preocupa, aquela criança explorada se torna invisível. Tem gente que até incentiva, acha que a criança está visando empreendedorismo, mas isso não é saudável”, explicou.

Rinaldi ainda destacou que a romantização da pobreza faz parte de uma crendice popular, que fomenta a banalização da exploração infantil. Além disso, o juiz ainda destacou que quando esses jovens se expõem a esse tipo de situação, eles correm inúmeros riscos. Atropelamento, exposição solar excessiva e até mesmo abuso sexual podem comprometer a vida dessas pessoas. “Dizem que a criança poderia estar roubando, mas está trabalhando. Não é verdade. Ela deveria ter acesso à refeição de qualidade, educação e qualidade de vida”.

Para Rinaldi, um dos caminhos para combater a exploração do trabalho infantil é iniciar uma investigação aprofundada sobre esses casos. Além disso, é necessário estudar uma abordagem adequada para os jovens, que, na maioria das vezes, se mostram temerosos e arredios. O desenvolvimento de políticas públicas, segundo o juiz, é imprescindível para proporcionar melhor condição de vida para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

Ações de combate

Desde 2021, Sorocaba conta com o Núcleo de Atendimento ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Napeti), que oferece atendimento social às famílias em que há violação de direitos da criança e do adolescente. De acordo com a Prefeitura, no momento, 59 famílias são acompanhadas pela instituição, sendo 33 crianças e 41 adolescentes.

Os jovens que passam por esse tipo de situação são encaminhados a serviços de convivência e fortalecimento de vínculos, como aqueles realizados pelos Centros de Referência em Assistência Social (CRASs), bem como a escola, em caso de evasão. E, nos casos em que há necessidade, também é acionado o Conselho Tutelar. Segundo a Prefeitura de Sorocaba, aos adolescentes em idade de jovem aprendiz -- a partir dos 14 anos -- são ofertados gratuitamente cursos de qualificação profissional.

As famílias são acompanhadas individualmente e recebem orientações. Além disso, elas também podem atualizar ou fazer CadÚnico para ter acesso aos benefícios socioassistenciais, como distribuição de cestas básicas. “Outras políticas públicas estão para ser implantadas no município, com o propósito de fortalecer o núcleo familiar, entre elas: a inserção dos pais no Projeto Arruma Sorocaba; inserção dos adolescentes em Programa Jovem Aprendiz Municipal e, para crianças em situação de trabalho infantil, será proposta a bolsa-auxílio (projeto de lei em andamento)”, concluiu a Prefeitura. (Wilma Antunes)