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Dia especial

Mães refugiadas falam de suas dores e esperanças

Em Sorocaba, elas reencontraram motivos para voltar a sonhar

07 de Maio de 2022 às 23:01
Wilma Antunes [email protected]
Ismanuella Calas, do Haiti, está em Sorocaba com o marido e seu bebê, mas falta chegar o filho mais velho.
Ismanuella Calas, do Haiti, está em Sorocaba com o marido e seu bebê, mas falta chegar o filho mais velho. (Crédito: WILMA ANTUNES)

Por trás dos olhos desconfiados de Ismanuella Calas, 31 anos, existe a dor de uma mãe, que está a mais de 5 mil quilômetros de distância do filho. Refugiada do Haiti, a mulher de voz acanhada chegou grávida ao Brasil, acompanhada do marido, há 1 ano e 3 meses. O filho mais velho ficou no país caribenho, aos cuidados dos avós, para que o casal conseguisse se adaptar à nova rotina. O plano era conseguir emprego e buscar o menino para que, juntos, pudessem recomeçar a vida em solo brasileiro.

Entretanto, uma triste reviravolta mudou o rumo de tudo. Em agosto de 2021, um terremoto de magnitude 7,2 atingiu o Haiti e os avós da criança morreram na tragédia, que abalou as estruturas daquele país. Ismanuella, sem emprego e agora com o filho desamparado, se viu em um beco sem saída. Isso porque o visto do menino ainda não foi autorizado pelo Consulado do Brasil no Haiti, o que impossibilita a sua vinda para cá. Com o coração dilacerado, a mãe trava uma cansativa batalha para conseguir trazer o garoto para Sorocaba.

Sem saber falar muitas palavras em português, Ismanuella arrisca falar sobre seus sentimentos com a ajuda de uma assistente social e um intérprete voluntário. Em língua crioula, a estrangeira contou que chora todas as noites ao pensar no filho. Logo que os avós morreram, o menino chegou a ficar sozinho, mas agora foi acolhido e recebe pequena ajuda de pessoas que se solidarizam com a situação. “Tem dias que ele dorme sem jantar e isso dói demais em mim. Eu queria fazer mais por ele, queria ele aqui comigo”, traduziu o intérprete.

Filho mais velho de Ismanuella aguarda documentação para poder entrar no Brasil e se reencontrar com a mãe. - REPRODUÇÃO
Filho mais velho de Ismanuella aguarda documentação para poder entrar no Brasil e se reencontrar com a mãe. (crédito: REPRODUÇÃO)

Atualmente, Ismanuella trabalha como faxineira, mas seu marido está desempregado. Com renda familiar de R$ 1.200, o casal tem que dar conta de pagar o aluguel, as despesas da casa, cuidar de um bebê e mandar dinheiro para o filho no Haiti. Diante desta aflição, o psicológico da refugiada também foi abalado. Ela desenvolveu transtorno depressivo e agora também descobriu que tem diabetes. “Não há um dia que eu não pense no meu filho e não choro por sentir falta dele. Falta um pedaço de mim”, finalizou.

Venezuela

Sob a penumbra de uma janela, a venezuelana Emily Hernandez relatou, com dor no peito, sua história longe da família. Em um “portunhol” de fácil compreensão, a jovem de olhar expressivo e cabelos longos e volumosos disse que ficou quase dois anos sem contato com a mãe, que vive na Venezuela. Mas, no início deste ano, a matriarca ganhou um smartphone do filho, que está no Peru, e conseguiu amenizar -- pelo menos um pouco -- a saudade que a consome.

Aos 32 anos, Emily vive uma realidade completamente diferente do que estava acostumada em seu país de origem. Embora tenha se profissionalizado em radiologia, na Venezuela, as dificuldades avançavam cada vez mais e ficou praticamente impossível continuar por lá. A gota d’água foi quando sua filha, com apenas um ano na época, ficou doente e não havia pediatra disponível para atender a criança. Nas farmácias, insumos básicos como seringas, soros fisiológicos e agulhas também estavam em falta. Por sorte, uma amiga enfermeira cedeu os materiais e remédios necessários para o tratamento da menina.

Emily Hernandez, da Venezuela, ameniza a saudades de sua mãe por meio de chamadas de vídeo pelo smartphone. - WILMA ANTUNES
Emily Hernandez, da Venezuela, ameniza a saudades de sua mãe por meio de chamadas de vídeo pelo smartphone. (crédito: WILMA ANTUNES)

“Falei para o meu marido: ‘Se coisas simples de se resolver estão faltando, imagina só quando acontecer coisas maiores?”. E aí, a gente resolveu vir para cá. A estrutura pública da Venezuela, no geral, é muito ruim. A delinquência também nos preocupava muito, pois, tinha muito assalto. Em junho de 2019, viemos para o Brasil, por Roraima, na fronteira. Fomos acolhidos pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que nos ajudou com aluguel e outras coisas aqui em Sorocaba”, relembrou.

Para a venezuelana, estar em um país que oferece atendimento médico, remédios e educação gratuita é fantástico. Com o peito apertado, Emily revelou que o que mais dói em estar longe é saber que sua mãe está perdendo o desenvolvimento da única neta, agora com quase quatro anos. Para acabar de vez com essa agonia, estrangeira pretende trazê-la para Sorocaba assim que conseguir um emprego. “Quando a gente veio para o Brasil, a minha filha era muito pequenininha. Agora, com o celular, ela e minha mãe se comunicam. Mas a neném não se lembra da avó”, lamentou.

Instituto Kayton

O Instituto Kayton em Ação é uma ONG especializada em apoio a imigrantes e refugiados, que oferece ajuda sociojurídica e humanitária. A entidade já atendeu mais de 478 famílias desde 2020, quando iniciou as atividades. Entre as pessoas amparadas, estão Ismanuella e Emilly, citadas nesta reportagem. Além disso, famílias em situação de vulnerabilidade de Sorocaba também são assistidas pela organização.

A assistente social e fundadora do instituto, Carla Cristina, explicou ao Cruzeiro do Sul que os estrangeiros que vêm de países pobres enfrentam ainda enfrentam dificuldades quando chegam ao Brasil. “Não querem pagar um salário digno, muitos deles são explorados. O instituto tem como objetivo inserir essas pessoas no mercado de trabalho”.

A ONG aceita doações em dinheiro, alimentos, roupas e móveis. No entanto, cabe o bom senso da população na hora de separar as peças para doação. As roupas devem estar em bom estado, o mesmo vale para os móveis. A entidade fica na Marcello Scotto, 78, Vila Matilde. (Wilma Antunes)

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