Mais de 36% das iniciativas parlamentares são inconstitucionais

Do total de projetos de lei apresentados pelos vinte vereadores, quase 40% foram aprovados durante o ano

Por Marcel Scinocca

Vereadores de Sorocaba produziram mais de 9 mil ações no ano passado

Ao menos 36,5% -- pouco mais de 1/3 -- das 555 iniciativas apresentadas pelos vereadores da Câmara de Sorocaba em 2021 foram considerados inconstitucionais. Ou seja, em algum momento, caso entrem em vigor, poderão ser contestados na Justiça, perdendo sua eficácia. Na lista, projetos de lei, decretos legislativos, emendas à lei orgânica e projetos de resolução.

Do total de projetos de lei apresentados pelos vinte vereadores do legislativo sorocabano, quase 40% foram aprovados durante o ano. As informações estão em um relatório fornecido pela Câmara de Sorocaba, a pedido do Cruzeiro do Sul. Contando com todos os procedimentos formais, foram mais nove mil ações durante o ano legislativo.

Conforme as informações, 203 iniciativas apresentados pelos vereadores de Sorocaba receberam parecer de inconstitucionalidade. Essa situação, de praxe, vem de parecer da Comissão de Redação e Justiça da Câmara, muitas vezes embasadas por outro documento da Secretaria Jurídica da Casa, que tem somente poder consultivo.

Ainda durante essa tramitação, os pareces de inconstitucionalidade podem ser derrubados no plenário pelos demais parlamentares, algo que já foi corriqueiro na Câmara de Sorocaba. Daí, são dois caminhos em caso de aprovação do projeto: a iniciativa é sancionada, cabendo, por exemplo, ao Ministério Público o término de sua validade, em pedido na Justiça, na chamada Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin); ou ainda pode ocorrer o veto do prefeito.

Abarrotando o Judiciário

Apresentar um projeto inconstitucional, além de ser interpretado como palanque eleitoral e firula legislativa, também representa gastos públicos. Além de todo o trabalho movimentando a máquina da Câmara, com funcionários, tempo de TV e equipamentos, em assuntos que certamente não farão sentido no futuro, também desgastam e geram custos ao Executivo, por exemplo, cujos procuradores, com os mais altos salários da Prefeitura de Sorocaba, terão que elaborar ações para combater os vícios criados pela Câmara.

Em muitas situações, também comum da Câmara de Sorocaba, o próprio presidente do Legislativo tem o poder de sancionar a lei. Isso ocorre em caso de veto não acatado ou demora do chefe do Executivo no ato de vetar ou sancionar um texto aprovado pela Câmara.

Nesse caso, também cabe ao MP e outras instituições entrar na Justiça para tirar a eficácia do texto. Porém, nesse caso, cabe também ao Executivo essa medida, fato que já foi visto à “baciadas” na cidade, em especial nas gestões entre 2013 e 2020 -- Antônio Carlos Pannunzio (PSDB), José Crespo (Democratas) e Jaqueline Coutinho (MDB). Não por acaso, Sorocaba figura como uma das cidades do Estado de São Paulo que mais apresentam leis inconstitucionais.

Injustificável

“As Câmaras Municipais prestam um serviço imprescindível para suas comunidades. Para isso recebem um forte apoio institucional e recursos para que desempenhem adequadamente seu papel. É inadmissível que não invistam isso de forma a qualificar seu serviço e cumprir sua atividade de modo competente. Essa proporção de projetos inconstitucionais é completamente injustificável”, opina Marlon Reis, um dos advogados mais conhecidos no Brasil na defesa do interesse público envolvendo o Legislativo e o Executivo. “É preciso poupar energia evitando a aprovação de leis fadadas à declaração de inconstitucionalidade”, argumentou.

“Trata-se de um desconhecimento geral da Constituição Federal de suas normas e princípios”, acrescenta Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Sobre a movimentação desses projetos, da apresentação na Câmara até o Judiciário, o professor considera que o fato promove o gasto do dinheiro público de forma desarrazoada.

Redução

Um projeto de Resolução que muda o Regimento Interno da Câmara de Sorocaba tem a intenção de, ao menos, reduzir esses números. Ele trata sobre a fundamentação do parecer da Comissão de Justiça, aquela que diz se o projeto é constitucional ou não.

De autoria do vereador Fernando Dini (MDB), a nova regra define que, nas hipóteses em que o parecer da Secretaria Jurídica aponte ilegalidade e/ou inconstitucionalidade, em caso de não acolhimento das argumentações pela Comissão, esta deverá fundamentar seu parecer abordando todos os aspectos técnicos-jurídicos em que baseou sua conclusão.

Ou seja, explicar porque o projeto é constitucional se o Jurídico da Câmara disse o contrário. Como o projeto foi aprovado somente em novembro, os resultados da medida só devem surtir efeito a partir deste ano.

Ranking

O vereador Italo Moreira (PSC) foi o que mais apresentou projetos de lei. Moreira apresentou 84 iniciativas do tipo. Para se ter ideia, foi mais que o Executivo, que apresentou 73. Ainda a título de comparação, o parlamentar apresentou mais projeto de lei que outros nove vereadores, juntos. Das propostas apresentadas, 13 foram aprovadas pela Casa.

Dylan Dantas (PSC) apresentou 42 projetos ao longo do ano. Na sequência, aparece João Donizeti (PSDB), com 33, sendo que 20 foram aprovados. Cristiano Passos (Republicanos) apresentou 32 projetos. Já Fábio Simoa (Republicanos) teve 30 iniciativas apresentadas, sendo que oito delas estão em vigor.

Rodrigo do Treviso (PL) apresentou 27 projetos de lei, dos quais oito foram aprovados. Na sequência aparece Vinícius Aith (PRTB), que apresentou 25 iniciativas, das quais quatro foram aprovados. Luis Santos (Republicanos) teve 23 apresentados. Desse total, cinco viraram lei. Cícero João (PTB) apresentou 31 projetos de lei. Da parte da vereadora Fernanda Garcia (Psol) foram 18 iniciativas do tipo, com três aprovadas.

A lista segue, com a apresentação de Claudio Sorocaba, também com 18 projetos apresentados, sendo que todos foram aprovados. Fausto Peres (Podemos) teve 13 projetos apresentados. Fernando Dini apresentou 12, com 10 aprovados. Hélio Brasileiro (PSDB) apresentou 11 projetos, sendo que seis foram aprovados. Iara Bernardi (PT) apresentou 11.

Vitão do Cachorrão (Republicanos) apresentou nove projetos. Péricles Régis (MDB) sete, com cinco aprovados. Já Salatiel Hergesel (PDT) teve seis projetos apresentados ao longo do ano. O vereador Francisco França (PT) apresentou três projetos de lei, todos aprovados. Silvano Junior (PV) apresentou cinco projetos de lei. O parlamentar, assim como Salatiel Hergesel, Vitão do Cachorrão, Fausto Peres e Cícero João, não respondeu quantos projetos foram aprovados.

Outros dados

É importante lembrar que os mandatos não se resumem aos projetos de leis. Uma ferramenta importante dos parlamentares é o requerimento, que se não respondido, tem o poder de até derrubar o chefe do Executivo. E essa ferramenta foi usada de forma bem ostensiva em 2021, se comparado com 2020. O número total do ano foi de 2.641, ante 1.270 de 2020. Ou seja, mais que dobrou, com aumento de 108%.

O índice de resposta diminuiu. De acordo com os dados, 2.541 requerimentos foram respondidos em 2021, o que corresponde a 96,3%. Para se ter ideia, em 2020, foram 1.264 respostas do Executivo, com taxa 99,5%.

Os vereadores de Sorocaba apresentaram ainda ao longo de 2021, 84 projetos de decreto legislativo. Pelos dados, 58 foram aprovados. Foram ainda 46 projetos de Resolução, com 15 aprovados. Mudanças na Lei Orgânica receberam 22 propostas, com oito aprovações. Ao todo, foram, em 2021, 8.962 proposituras apresentadas até 20 de dezembro. Em 2020, foram 2.700, contra 4.537 em 2019, 4.940 em 2018 e 5.820 em 2017. (Marcel Scinocca)

 

Atualizado às 13h48, com o número de projetos aprovados pelo vereador Péricles Régis. Erroneamente, foi informado que o parlamentar não tinha dito quantos projetos de sua autoria haviam sido aprovados.