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Médicos contam como é estar na linha de frente contra o novo coronavírus

31 de Maio de 2020 às 00:01

Médicos vivem pressão, medo e saudades “Eu não vejo a minha família há quase dois meses para protegê-los”, diz o residente Gabriel Chamilete. Crédito da foto: Fábio Rogério / Arquivo JCS (28/5/2020)

À frente da batalha contra o novo coronavírus, os profissionais da saúde lidam diariamente com o drama de ter a vida dos pacientes em suas mãos, ao mesmo tempo em que enfrentam a insegurança pessoal, o medo da contaminação, uma rotina estafante e a saudade dos familiares. Com a crescente curva dos casos da doença no País, médicos ainda em formação precisaram ajudar no dia a dia dos hospitais. Com a pandemia jovens, da graduação à residência, sentem os reflexos da Covid-19 e relatam os principais anseios no tratamento dos infectados.

Às vésperas de concluir o curso de Medicina, Rodolfo Isolani, 24, viu o sonho da formatura se arrastar para mais longe. No sexto e último ano, o estudante teve as aulas interrompidas durante a pandemia, uma decisão da própria instituição para proteger os alunos. Contudo, o possível retorno das atividades acadêmicas pós-quarentena traz mais uma preocupação: o universitário integra o grupo de risco do coronavírus por ser diabético. “Meu medo é não conseguir me formar este ano, mas eu não me sinto muito à vontade em voltar nesse momento, pelo perigo de contaminação”, avalia Isolani, que aguarda uma determinação da universidade para, quem sabe, finalizar os estudos e seguir para a residência médica.

Ao longo da crise de saúde pública, com a falta de mão de obra especializada e com o alto índice de profissionais acometidos da doença, estudantes auxiliam nos atendimentos. No quinto ano da graduação, Luana Passos, 24, é moradora de Sorocaba, mas estuda na capital paulista. Em seu período de “internato” -- estágio da clínica médica -- ela vive a rotina de atendimentos aos infectados pela Covid-19 no Conjunto Hospitalar do Mandaqui, na zona norte de São Paulo. A estudante comenta sobre o impacto da pandemia na sua formação enquanto médica. “Nós não vemos mais as coisas que veríamos no dia a dia do hospital. Atender os pacientes é o que faz da gente experiente e preparado para vida depois de formada e a quantidade tem ficado bem reduzida em todas as áreas”, relata.

Médicos vivem pressão, medo e saudades A estudante Luana Passos já atende pacientes com Covid na Capital. Crédito da foto: Arquivo Pessoal

Além de lidar com a incerteza sobre sua formação, a futura médica salienta a preocupação de se contaminar dentro do hospital. “O maior medo com certeza é ser portador do vírus, transmitir para outras pessoas, outros pacientes e principalmente para pessoas próximas, como a minha família. No começo a maior dificuldade foi o medo, eu não me lembro de ter enfrentado uma pandemia antes na vida e ainda mais tão de perto”, afirma.

Recém-formado

Médicos recém-formados também sentiram os impactos da pandemia no trabalho e nas especializações. Ainda que sejam seguidas todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), as incertezas em torno da doença trazem preocupação aos novatos. O residente do Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS), Gabriel Marzolla Chamilete, 27, está em seu segundo ano da residência em clínica médica. Sobre as mudanças, Chamilete relata a sensação de ansiedade com a relação do dever de atender aos pacientes e medo de se contaminar. “A gente precisa ter muito mais cuidado em qualquer atendimento, nos proteger com máscaras, luvas, tudo o que é necessário”, ensina.

Nascido em Limeira, o médico se mudou para Sorocaba em 2012, no início da graduação. Sem parentes na cidade, ele traz à tona outra adversidade vivenciada pelos profissionais da área: a distância dos familiares. “Eu não vejo a minha família há quase dois meses para protegê-los. Eu não sei se eu posso estar contaminado ou não. A gente fica triste por não poder vê-los, enquanto isso não passa eles dão um suporte da maneira que podem, por telefone, Whatsapp, videochamada. O que for possível fazer de proteção eles fazem, rezam à distância por mim”, explica o médico, que continua: “é um carinho que você não tem mais, saber que as pessoas estão do seu lado, que você pode dar um abraço, faz muita diferença tê-los por perto, mas logo tudo vai passar”.

De volta aos estudos

Com o avanço da pandemia no mundo, e inclusive no Brasil, o Ministério da Saúde (MS), convocou voluntários que pudessem atuar na linha de frente de combate ao Sars-Cov-2. Movida pela paixão pela Medicina Humanitária, a médica nutróloga Patrícia Savoi, 36, resolveu ajudar nessa batalha. Colocou seu consultório em segundo plano e decidiu se voluntariar para atender pacientes do Hospital de Campanha do Anhembi, em São Paulo.

Médicos vivem pressão, medo e saudades Patrícia Savoi tornou-se voluntária na linha de frente. Crédito da foto: Arquivo Pessoal

Formada em 2009, para integrar o time de médicos que atendem aos pacientes de baixa e média complexidade da Covid-19 Patrícia precisou rever conteúdos da época da graduação e se atualizar. “Eu fiz alguns cursos on-lines gratuitos. Um deles do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e uma capacitação do Ministério. Eu tive que voltar a estudar me atualizar, ler artigos científicos, tive que me aprofundar no assunto em um curto período”, conta a voluntária, que iniciou os trabalhos no hospital no último dia 22 de março.

Longe dos dois filhos, da família e do avô de 97 anos, Patrícia garante que nesse momento da pandemia o mais importante para todos os profissionais da área da saúde é se cuidar -- só assim eles poderão seguir firmes na batalha contra a doença. “Eu acredito que é importante cuidar da saúde mental. O médico vive sob pressão a maior parte da vida. Ele está sempre lidando com a vida de outra pessoa, isso não muda depois da pandemia. Você tem que cuidar da sua saúde e da sua vida pessoal, porque se a gente não tiver bem, não tem como cuidar de mais ninguém”, diz a profissional.

A Covid-19 também faz suas vítimas entre os funcionários dos hospitais. De acordo com os últimos dados divulgados pelo Ministério da Saúde, mais de 30 mil profissionais da saúde já foram contaminados com o novo coronavírus. Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), até o momento, 157 membros da categoria perderam a vida por conta da doença. Um levantamento do Sindicato do Médicos de São Paulo (Smsp) aponta que 126 médicos faleceram desde 22 de março devido a complicações do Sars-Cov-2. Ainda segundo a pasta ministerial, o Brasil já contabiliza mais de 27 mil óbitos do novo coronavírus, além de ter ultrapassado a marca de 460 mil casos confirmados. (Wesley Gonsalves)

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