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Na Ucrânia

'Sinto um alívio, não felicidade', diz sorocabana que fugiu da guerra

Vanessa Granovski chegou a Sorocaba na sexta-feira (11) ao lado de seu cão Thor; esposo continua no país

15 de Março de 2022 às 13:15
Vanessa Ferranti [email protected]
Vanessa e seu cão Thor, momentos antes de embarcar para o voo com destino ao Brasil
Vanessa e seu cão Thor, momentos antes de embarcar para o voo com destino ao Brasil (Crédito: Reprodução / redes sociais)

Sons de bombardeios próximos ao apartamento em que morava em Kiev, filas nos supermercados, falta de alimentos e o pânico instalado no país. Esse foi o cenário que Vanessa Granovski presenciou na Ucrânia. A sorocabana, de 36 anos, grávida de três meses, enfrentou momentos de tensão ao lado do esposo Vladimir Granovski antes de conseguir chegar ao Brasil.

A história do casal com a Ucrânia começou em 2018 quando Vladimir recebeu uma proposta de trabalho e se mudou para o País. Um ano e meio depois Vanessa também foi para o local. Ambos são biólogos e exercem juntos a função em um laboratório. Apesar dos receios, Vanessa se sentiu bem e acolhida pelos moradores da capital ucraniana. “Quando meu esposo percebeu que era o que ele gostava, eu deixei o meu trabalho em Ribeirão Preto (SP) e me mudei para lá também, a gente trabalha junto e um ajuda o outro. Quando eu fui, pensei que fosse encontrar uma cidade feia, porque no Brasil, quando se falava em Ucrânia, só se falava na guerra de 2014, até meus pais ficaram preocupados. Mas eu me surpreendi, porque é uma cidade super bonita, tinha uma modernidade, tinha uma parte histórica e éramos super felizes lá”, relembra.

Tudo se encaminhava bem e o casal estava estabilizado no País antes da guerra acontecer. Dias antes da invasão as notícias que circulavam em todo o mundo era sobre as negociações e grandes possibilidades de ocorrer uma guerra no País, mas os ucranianos não acreditavam que isso era possível. “Estava preocupada, mas não imaginava. Nós não falamos ucraniano e não acompanhávamos as notícias locais, somente as internacionais e o mundo já estava apavorado. Os noticiários falavam o tempo todo da guerra, só que não imaginávamos. Quando eu ficava nervosa, os próprios ucranianos falavam ‘Vanessa, isso é impossível, o mundo não sabe, mas isso existe desde 2014, a Rússia está na fronteira, nos importunando desde 2014’, então não era uma novidade para eles”, conta.

No dia 24 de fevereiro houve o que os moradores da Ucrânia não esperavam, a invasão da Rússia. A capital Kiev dormia quando os primeiros bombardeios começaram e em pouco tempo o pânico tomou conta do País. Vanessa relata que acordou e olhou o celular. Viu as notícias e não acreditou no que estava acontecendo. Mais tarde, os colegas de trabalho já se movimentavam para fugir. “Nesse primeiro momento eu não sabia o que fazer, ‘invadiram e agora?’ você fica perdido, não sabe como reagir. Escutei alguns barulhos, estrondos a princípio, só que você já via a movimentação dos vizinhos. Embaixo dos prédios onde morávamos tinham lojas, minimercados, tinham filas, não haviam mais alimentos, isso era um reflexo do que estava acontecendo na cidade toda. Filas nos supermercados, filas nos bancos para a retirada de dinheiro, filas nos postos de gasolina e, nesse momento, quem tinha a oportunidade de sair, já começou sair. As saídas ficaram congestionadas já no primeiro dia”.

Fuga

A fuga de Vanessa e seu esposo começou três dias após o início da guerra. A princípio, sem saber o que fazer, aguardaram em casa, mas logo saíram às presas com o avanço dos bombardeios na região, mais especificamente no aeroporto militar, localizado na cidade de Hostomel, que fica há 20 quilômetros do apartamento em que o casal morava. “Em um primeiro momento não sabíamos o que era aquele barulho, eram bombas atrás de bombas, sentíamos os vidros balançarem. Esperamos até o terceiro dia e resolvemos que íamos tentar sair. Tivemos ajuda do dono da empresa e algumas pessoas do trabalho ficaram e foram para o fronte, elas tinham armas. Ele pediu para uma delas nos levar para Lviv, só que fica longe, cerca de 11 horas de trem e 15 de carro, perto da fronteira”, comenta.

Na primeira tentativa, Vanessa relata que houve muita dificuldade, pois o casal não tinha carro e não conseguia um transporte, já que as pessoas estavam com medo e sem gasolina. Assim, eles não conseguiram sair da cidade. “Nesse primeiro momento nós desistimos porque o prefeito instaurou um toque de recolher e se chegássemos na estação e não conseguíssemos pegar o trem, não íamos conseguir sair, ficaríamos presos, não teríamos para onde ir, precisaríamos nos esconder no metrô e nem sabíamos se íamos conseguir chegar lá, também ficaríamos sem comida. Era mais seguro ficar”.

Após o toque de recolher, no dia 28 de fevereiro Vanessa e Vladimir saem de casa com destino a estação ferroviária. “Quando chegamos lá não conseguimos embarcar e ligamos para uma vizinha que nos ajudou, porque ela tem muitos contatos e trabalha com voluntariado. Conseguimos encontrar com ela, mas todo o processo foi muito tenso, porque você vai confiando em pessoas que você não conhece no meio do caminho, vai para lugares que você não sabe onde é, eu não sabia onde eu estava. Mas no dia 29 deu tudo certo, conseguimos sair com a van e chegar em Lviv, onde tivemos ajuda de outro grupo de voluntários”.

Retorno para Sorocaba

Após chegar em Lviv, Vanessa ficou cerca de dois dias em um hotel com o seu cachorro Thor. Entrou em contato com a embaixada e conseguiu atravessar a fronteira da Polônia. A princípio, estava tudo certo para a bióloga sair do País ao lado do cão, mas de repente ela recebeu a notícia de que Thor não poderia embarcar no voo da Força Aérea Brasileira (FAB). “A embaixada me ligou e disse que o avião da FAB não transporta animais de focinho curto. Isso não era uma novidade para mim, porque realmente várias companhias aéreas comerciais não transportam esses animais, pois eles têm problemas para respirar e podem morrer. Eu entendo isso, mas eu estava nervosa e disse que não iria embarcar sem ele”.

Depois da notícia, Vanessa decidiu entrar em contato com diversos órgãos e pessoas e conseguiu o contato de Luisa Mell. A ativista animal atendeu a ligação e publicou nas redes sociais o pedido de ajuda da sorocabana. A publicação teve grande alcance. A repercussão mobilizou o Itamaraty que resgatou Thor e também outros animais das zonas de risco.

Na última quinta-feira (10), Vanessa e Thor desembarcaram em Brasília em uma aeronave da FAB. Na ocasião, outras pessoas também chegaram ao País entre elas, 41 brasileiros, 20 ucranianos, cinco argentinos e um colombiano. Outros sete cães e dois gatos também desembarcaram. O esposo de Vanessa, Vladimir Granovski, permaneceu na Ucrânia para ajudar quem ficou por lá.

Ajude a Ucrânia

Na semana passada, Vladimir fez uma vaquinha virtual para ajudar a Ucrânia. O objetivo é arrecadar fundos para a compra de equipamentos de proteção e material médico para os soldados ucranianos que estão trabalhando na linha de frente da guerra. Para divulgar a campanha, ele criou um canal no Youtube e gravou um vídeo contando um pouco de sua história, além de informar todo o processo de arrecadação e repasse dos equipamentos para o País. “Não iremos financiar armas, nem equipamentos relacionados com armas, somente material de proteção pessoal, coisa que realmente está em falta. Felizmente a Europa está fornecendo armas e munições suficientes até o momento. Não importa o quanto a situação piore e o cenário pareça desesperador, não envolverei esse fundo em nada que possa tirar a vida de uma outra pessoa, somente que possa proteger”, declara.

Segundo Granovski, o projeto está vinculado a uma empresa de equipamentos odontológicos que parou as atividades devido a guerra e criou um corredor entre as fronteira europeias com a Ucrânia. Dessa forma, não haverá custo adicional para o envio do material, que sairá da fábrica direto para o País. “Todo material será inventariado, exibido em fotos e vídeos e posteriormente encaminhado para a linha de frente, para soldados que estão lutando completamente desprotegidos. Nossa iniciativa é completamente pacífica, é uma forma de luta e resistência sem colocar as vidas em risco.”

Clique aqui para acessar a vaquinha. 

Assista o vídeo da entrevista:

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