Editorial
Prerrogativas exclusivas do Congresso
Rodrigo Pacheco classificou como um "equívoco grave" a possibilidade de descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal por decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal retomou, na quarta-feira, 2, o julgamento de uma ação que discute a liberação do porte de drogas para consumo pessoal. Quatro ministros já se posicionaram favoráveis à tese. O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, pediu a suspensão da votação para estudar os votos já proferidos pelos companheiros. Não há prazo, ainda, para que o tema volte ao debate.
A iniciativa do Supremo em julgar essa ação provocou fortes reações no Congresso Nacional. Até o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reagiu de forma veemente a mais essa interferência do Judiciário sobre as prerrogativas do Legislativo.
Rodrigo Pacheco classificou como um “equívoco grave” a possibilidade de descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal por decisão do STF. Segundo o presidente do Senado, cabe exclusivamente ao Congresso Nacional discutir a questão, e uma decisão do STF não pode ser contrária à lei vigente. Pacheco considera a descriminalização, sem discussão no Congresso e sem criação de programas de saúde pública, como “invasão de competência do Poder Legislativo”. A manifestação gerou aplausos efusivos no plenário do Senado.
Pacheco apontou ainda um fato relevante, que está aos olhos de todos, e que só não foi considerado, até agora, pela Corte Suprema. Se a comercialização de drogas é ilegal no País, de onde os usuários comprarão as drogas para poder portá-las? Pacheco lembrou ainda que, pela legislação brasileira, o tráfico de drogas foi comparado aos crimes hediondos e que a sociedade como um todo não deseja a descriminalização do consumo de drogas.
O comandante do Senado cobrou dos ministros do STF a compreensão do papel da arena política e afirmou que o Congresso está “trabalhando duramente” pelo bem do País e que esse tipo de interferência só desgasta a relação entre os Poderes. Durante a sessão legislativa, vários senadores pediram a palavra para reforçar a posição adotada por Pacheco.
Voltando para o STF, uma das teses defendidas em voto tenta especificar as quantidades de maconha que poderiam ser consideradas como uso pessoal. O ministro Alexandre de Moraes propôs uma faixa de 25, 99 a 62 gramas de entorpecente. Segundo o ministro, é necessário estabelecer um critério para quantidades limítrofes. “Há a necessidade de equalizar uma quantidade média como presunção relativa para diferenciar o traficante do portador para uso próprio, porque essa necessidade dá tratamento igualitário, isonômico para quem for pego portando maconha”, disse ele em plenário. O ministro Barroso defende a mesma tese.
Se o limite sugerido pelos integrantes do STF for confirmado na decisão final do plenário, 31% dos processos por tráfico em que houve apreensão de cannabis poderiam ser questionados e os infratores liberados. O estudo foi feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Numa canetada só, 27% dos condenados nesses mesmos termos poderiam ter os julgamentos revistos. A legislação brasileira é clara, se houver uma nova legislação mais benéfica ao condenado, ela deve ser aplicada, não importando se o caso já tenha transitado em julgado.
Para o procurador do Ministério Público de São Paulo Márcio Sergio Christino, é, no mínimo, contraditório discutir a descriminalização sem tratar da regulação de mercado. “A simples liberação do consumo de drogas, por um direito à intimidade, traz consequências danosas para a sociedade. Principalmente na questão do crime organizado, já que vai se criar uma demanda para a qual há necessidade de fornecimento e de se incrementar o mercado. Não existe compra sem venda.”
A Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina, entre tantas outras entidades, também já se posicionaram contra a descriminalização. Há oito anos, quando esse julgamento começou, já foi expressa a preocupação de que o resultado prático da adoção dessa política será o aumento do consumo e a multiplicação de usuários.
Com a desculpa de preencher lacunas da legislação brasileira, o Supremo Tribunal Federal tem invadido espaços que não lhes foram outorgados pela Constituição. A ausência de uma regra específica não significa que ela não exista, e sim que o legislador brasileiro, eleito para isso, não sentiu necessidade de atualizar os parâmetros vigentes. Como disse Rodrigo Pacheco, houve, a partir da concepção da Lei Antidrogas, uma opção política de se prever o crime de tráfico de drogas com a pena a ele cominada, e de prever também a criminalização do porte para uso de drogas, mudar essa realidade é função única e exclusiva do Congresso.