Mensagem no WhatsApp

Por

Crédito da foto: Arte Lucas Araújo

Crédito da foto: Arte Lucas Araújo

Carlos Araújo - carlos.araujo@jornalcruzeiro.com.br

Ontem, recebi no WhatsApp a mensagem de um amigo de infância, Ariovaldo Albuquerque, que mora no Rio. Engenheiro civil, ele perdeu o emprego, não encontrou recolocação e agora sobrevive como motorista de aplicativo. Vejam o que ele diz:

“Eu prefiro a polarização escancarada à ideia de uma falsa integração que mascara a realidade.

Eu prefiro a liberdade de escolher o sul ou o norte, conforme a minha identidade, a não ter lado nenhum para me abrigar.

Eu prefiro a covardia mais deplorável, que humaniza o indivíduo, a qualquer manifestação de coragem fabricada só para inglês ver.

Eu prefiro a primavera de temperatura agradável ao calor escaldante do verão, que faz agonizar e derreter o cérebro.

Eu prefiro o discurso desnorteado e distorcido ao palavrório sofisticado e estiloso, escrito por ghost-writer, só para falar de intenções que não se traduzem em práticas.

Eu prefiro o grotesco e a rusticidade das ruas ao sublime e ao encanto dos salões e corredores iluminados dos palácios de açúcar.

Eu prefiro a perdição do ceticismo mais áspero à ilusão da crença mais arraigada.

Eu prefiro a rejeição declarada e aberta à sedução que não ata nem desata em momento algum.

Eu prefiro o sofrimento que dá lições de vida ao prazer que corrói minhas entranhas.

Eu prefiro a lua ao sol, prefiro o suspense da noite à falsa segurança do dia, prefiro a luz dos olhos da mulher amada à claridade artificial das mentes presunçosas do conhecimento.

Eu prefiro acreditar que há mais verdade no sorriso da criança a acreditar na suposta verdade declarada no discurso de quem faz promessas de palanque.

Eu prefiro me sensibilizar com a intensidade das emoções a me render às coisas pelos formatos e aparências.

Eu prefiro ir para a frente, ainda que retroceder pareça uma opção sensata, ainda que haja espaços à esquerda e à direita.

Eu prefiro os tempos difusos, incertos, misteriosos, aos períodos históricos que pareçam claros, perfeitos, utópicos.

Eu prefiro ser quem sou, com todos os meus erros e imperfeições, a achar que sou um super-herói que ao primeiro sopro de vento se abala e se desfaz.

Eu prefiro os descaminhos insalubres de Lima Barreto à sofisticação literária de Machado de Assis.

Eu prefiro a dúvida à certeza. A dúvida é essência da condição humana e o delírio da certeza é a utopia mais enganosa que existe.

Eu prefiro a humildade da dúvida à arrogância da certeza. A batalha da dúvida é o sentido da vida. A certeza é o corredor que leva à tortura e à ante-sala da vilania.

Eu prefiro a discórdia ao acordo mal feito, o conflito ao entendimento de fachada, o tapa na cara ao beijo da conspiração.

Eu prefiro o vinho seco à cerveja gelada e ainda acho que a melhor poesia é gestada na mesa do bar.

Eu prefiro o pessimismo articulado com a realidade à esperança fraudada e mentirosa.

Eu prefiro as batidas do samba ao ruído das balas que matam crianças nos complexos de favelas.

Eu prefiro o silêncio mais profundo ao som de melodias que não me pertencem.

Eu prefiro seguir a pé, mesmo que assim a jornada seja mais cansativa e demorada, a ir de avião e me sujeitar às turbulências do voo cego.

Eu prefiro mil vezes o contato pessoal no jogo da sedução, mesmo que eu ouça um “não” cruel e dolorido, ao compartilhamento nas redes sociais que possa significar resposta vaga, evasiva, sem sal.

Eu prefiro o procedimento dolorido, mas com possibilidade de cura, ao remédio que só alivia a dor e não resolve o problema.

Eu prefiro os bêbados aos filósofos, prefiro o desafiante ao campeão, prefiro o ser que ainda se arrisca na batalha ao vencedor que se cobre de glória.

Eu prefiro a imperfeição, o inacabado, o incerto, o risco e o desamparo, porque são condições capazes de inspirar valores como criatividade, força, coragem, enquanto tudo o que pretende ser sublime almeja a dominação pela inércia e esbarra no hábito de ser chato, arrogante, insuportável.

Eu prefiro a escravidão que escancara o verdadeiro DNA da sociedade à abolição, que não passa de um sistema de marketing e manipulação histórica.

Eu prefiro a guerra fabricada por seus senhores de discurso belicista e pose de justiceiro à paz assassinada todos os dias por tiroteios e balas perdidas que fazem vítimas entre pretos e pobres nas favelas.

Eu prefiro tudo isso, minha gente, mas sei que jamais vou ser atendido, jamais vão levar em conta as minhas preferências neste mundo terrível, apocalíptico."

Em seguida, Ariovaldo me enviou uma segunda mensagem com uma única frase: “Estou saindo do Brasil.”

[irp posts="169959" ]