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Uma rasteira contra a saúde

08 de Janeiro de 2021 às 00:49

Não é novidade para ninguém que uma das questões mais sofridas para a população brasileira é o atendimento na saúde. Ao lado da educação e da segurança, ela integra o conhecido tripé que aflige o cidadão de bem, aquele que paga impostos dos mais variados, em todas as esferas de governo -- municipais, estaduais e federais -- e não recebe quase nada em troca, infelizmente.

Claro que há exceções, mas como um todo, nosso sistema de saúde é precário. Em muitos grotões desse Brasilzão, ele sequer existe. E mesmo tendo melhorado nos últimos tempos, nosso sistema não consegue atender e dar conta da demanda e da falta de estrutura e condições que se arrastam há décadas. É um cenário antigo e persistente.

Imaginem, então, com a chegada da maior pandemia já vista em mais de 100 anos!? A missão de nossos gestores da saúde, que já era enorme, tornou-se uma tarefa hercúlea. Profissionais de saúde tiveram -- e continuam tendo -- de colocar suas vidas em risco, na linha de frente do combate ao vírus. Muitos deles pagaram esse alto preço com a própria vida.

Pois bem, eis que, nesse cenário crítico, praticamente de guerra, nosso querido governo estadual simplesmente decide fazer um corte de 12% nos repasses às santas casas e hospitais filantrópicos do Estado de São Paulo. A resolução foi publicada no Diário Oficial de quarta-feira (6) e envolve convênios já firmados, afetando também prefeituras, fundações e entidades da administração direta.

Os recursos serão retirados de dois programas de auxílio: Pró-Santa Casa e Programa SUStentável. O primeiro atende 117 instituições e vai deixar de receber R$ 41 milhões por ano. Já o Programa SUStentável, que fomenta 63 instituições, vai perder R$ 39 milhões.

Em miúdos, a verba para custear despesas como a compra de medicamentos, insumos hospitalares, médicos, enfermeiros, recepcionistas e serviços de limpeza vai encolher R$ 81 milhões e atingir cerca de 180 unidades hospitalares.

Primeiramente, vamos dar a você, nosso querido leitor, uma pausa para tentar se recuperar do espanto e da indignação. Quando for possível digerir o fato de que tal determinação está sendo tomada em meio a uma pandemia, saibam também que as santas casas e hospitais filantrópicos representam mais da metade, precisamente 56%, das internações do SUS em todo o Estado. E ainda, sete em cada dez internações são de alta complexidade.

No documento, a Secretaria Estadual da Saúde justifica o corte levando em conta a necessidade de “manter a austeridade e rigor nos gastos” e o “equilíbrio das contas públicas”.

Não precisa ser um gênio para enxergar que, no atual momento, poderiam ser cortados quaisquer outros gastos do governo, em qualquer área, MENOS nas verbas que estão sendo destinadas aos hospitais.

Ninguém percebeu que tais unidades estão atendendo pacientes de todo tipo, inclusive contaminados com o vírus da Covid-19 e que necessitam de leitos de UTI? Por mais que o texto da resolução aprovada diga que os cortes nos repasses às santas casas não incluem as despesas com as compras de insumos e contratação de serviços para o tratamento de pacientes com Covid-19, é difícil acreditar que uma coisa não vai afetar a outra.

E mesmo que não afete, o absurdo é o mesmo. Pois, certamente, algum paciente, com algum problema médico, deixará de ser assistido.

Ou então será assistido com menos recursos. Por mais que o secretário executivo da Secretaria Estadual da Saúde, Eduardo Ribeiro Adriano, afirme que os atendimentos de Covid não sofrerão impacto já que os recursos para esse fim estão mantidos, ao cortar orçamento dos hospitais, alguém acabará pagando essa conta.

Não em dinheiro, evidentemente, e sim com a própria saúde, ou até com a vida. O prejuízo para a população é inevitável.

Portanto, o governo do Estado deveria encontrar outras formas para “manter o equilíbrio das contas públicas”. Que tal cortar mordomias? Que tal fazer um pente fino na administração -- inclusive na Saúde -- para encontrar formas mais inteligentes de obter essa economia? Que tal diminuir o cabide de empregos? Que tal articular e forçar o Legislativo a fazer o mesmo, tomando medidas de austeridade? Que tal englobar todas as instâncias em ações contra o desperdício do dinheiro público, algo que sempre tem começo, mas nunca tem fim?

Pois é isso que se espera de nossos governantes em momentos de crise, sobretudo uma crise sanitária como a que estamos enfrentando.

Uma medida desse tipo, no meio de uma pandemia, chega a ser um escárnio. É um verdadeiro absurdo. Afinal, existem atendimentos de urgência e emergência que precisam ser realizados.

Em Sorocaba, por exemplo, esse corte de 12% vai afetar o tratamento de pacientes em oncologia na Santa Casa, de acordo com o gestor, Pe. Flávio Miguel Júnior. O hospital vai deixar de receber cerca de R$ 80 mil por mês do Estado, dentro do convênio Santa Casa SUStentáveis.

A redução na verba vai acabar refletindo na redução dos atendimentos oncológicos de pacientes dos 48 municípios na área de abrangência da Diretoria Regional de Saúde de Sorocaba.

Uma triste consequência por conta de uma inconsequência.

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