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Trabalho infantil

03 de Julho de 2020 às 00:01

Mesmo durante o isolamento social, imposto pelo governo estadual para a região de Sorocaba como forma de combate à pandemia do novo coronavírus, que pouco tem refletido no movimento de carros nas ruas da cidade, é possível ver em vários cruzamentos da cidade, crianças e adolescentes se arriscando entre os veículos para vender pacotinhos de balas. Um bom observador certamente perceberá que o trabalho dessas crianças é vigiado a distância por adultos, os verdadeiros proprietários das mercadorias que estão sendo vendidas nos semáforos.

Muito já se falou sobre o perigo que essas crianças e adolescentes correm ao vender guloseimas no trânsito. Há um risco grande de acidentes de trânsito e atropelamentos para tentar vender o máximo de mercadorias possível no curto período em que o sinal permanece fechado. Há ainda o perigo de contaminação pelo novo coronavírus, pois mesmo que usem máscaras, crianças e adolescentes ficam expostos por falarem com dezenas de pessoas durante o dia, muitas delas sem usar esse tipo de proteção, pois estão dentro dos carros. E há toda uma legislação sobre o trabalho infantil que está sendo desrespeitada.

De acordo com informações da Secretaria da Cidadania e Participação Popular (Secid), foram identificados pelo menos 24 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil em Sorocaba no período de janeiro a abril deste ano e 15 famílias são acompanhadas pelo Centro de Referência em Assistência Social Especializado.

Durante todo o ano passado, foram identificadas 235 crianças em situação de trabalho infantil na cidade, muitas vendendo produtos em semáforos. Em um dos locais mais disputados pelos vendedores de balas, no cruzamento da avenida Barão de Tatuí com Washington Luiz, é comum a presença naquele local de uma viatura de agente de trânsito para orientar os motoristas. Embora não seja a função do agente impedir a presença das crianças naquele local, poderia acionar a Secid para tomar as providências necessárias.

A presença de crianças vendendo doces não é exclusividade desse cruzamento. Elas estão presentes em várias partes da cidade, sempre vendendo produtos embalados de maneira semelhante, possivelmente dos mesmos fornecedores. O jornal Cruzeiro do Sul já constatou situações semelhantes em várias ocasiões, o que mostra que o problema não é recente.

Como se sabe, é proibido trabalho para menores de 16 anos, salvo na condição de menor aprendiz, a partir de 14 anos. Durante todo o ano passado foram registrados 28 processos relacionados ao trabalho infantil no Juizado Especial da Infância e Adolescência do Fórum Trabalhista de Sorocaba. Nesses casos, as vítimas em geral têm entre 13 e 17 anos. Há inclusive o registro de um adolescente que morreu enquanto trabalhava nas ruas.

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil de Sorocaba realizou 400 abordagens no ano passado, quando 235 crianças foram flagradas trabalhando nas ruas. Mais da metade desses menores de idade trabalhava no comércio ambulante, e o restante estava nas ruas em outras atividades, como flanelinhas, cobrando para olhar carros, ou mesmo pedindo esmolas.

E o Conselho Tutelar de Sorocaba informa que é do conhecimento das autoridades o problema do trabalho infantil nos cruzamentos e que existe um processo de investigação e responsabilização de adultos que atuam nessa exploração em andamento junto à Polícia Federal.

Para tentar solucionar o problema, foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre a Prefeitura de Sorocaba e o Ministério Público do Trabalho (MPT) que prevê uma série de medidas com o objetivo de erradicar essa prática. Entre as medidas propostas estão a identificação e o resgate de crianças em situação de trabalho proibido por meio de equipes multidisciplinares, garantindo apoio às famílias por meio de programas sociais já existentes, como o Bolsa Família.

Mas se o problema de crianças trabalhando para conseguir algum dinheiro já era grande no ano passado e nos primeiros meses deste ano, ele tende a piorar e exigirá esforço extra das autoridades. A pandemia da Covid-19 e a política de isolamento social afetaram diretamente os trabalhadores informais que praticamente ficaram sem atividade, o que poderá levar mais crianças às ruas em busca de dinheiro para sobrevivência.

E a interrupção das aulas presenciais na rede pública também poderá levar muitos estudantes, que por motivos diversos não conseguiram acompanhar as aulas a distância, a abandonarem a escola, o que, desafortunadamente engrossará ainda mais o número de menores nas ruas.