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Situação degradante

30 de Janeiro de 2020 às 00:01

Crianças e adultos vasculhando montanhas de lixo, disputando espaço com cães e urubus na mais completa falta de higiene parece cena de documentário antigo ou de alguma região longínqua onde inexiste qualquer tipo de legislação que discipline a disposição final de lixo.

Mas surpreendentemente, a reportagem divulgada esta semana por este jornal mostra uma situação que ocorre muito próximo de todos nós, no Aterro Sanitário de Votorantim, mas que apesar do nome pomposo, mais parece um lixão a céu aberto, o mais condenável tipo de deposição de resíduos sólidos e que se imaginava tivesse desaparecido pelo menos no Estado de São Paulo.

É incompreensível como um aterro com tantos problemas e tantas irregularidades não tenha sido interditado ou ao menos enquadrado pela Cetesb ou outro órgão de fiscalização do governo.

O local recebe em torno de 140 toneladas diárias de lixo domiciliar que deveria ser imediatamente coberto com terra e compactado, para evitar mau cheiro, proliferação de insetos e roedores.

Em um aterro padrão, o lixo é compactado assim que é descarregado dos caminhões de coleta e coberto por camadas de terra. Não é o que acontece em Votorantim. Há um intervalo muito grande entre a deposição dos resíduos e a sua compactação, o que passou a atrair pessoas que ganham a vida revirando o lixo em busca de materiais recicláveis e até alimentos.

A reciclagem é altamente benéfica para a sociedade, mas deve ocorrer em galpões preparados, com equipamentos de segurança adequados e não em local aberto, onde todo tipo de lixo chega misturado. Essa deposição irregular dos resíduos gera inúmeros problemas, segundo foi apurado pela reportagem.

Além de dar tempo para que adultos e crianças revolvam o lixo sem qualquer proteção, faz com que em alguns pontos surja chorume misturado com a água de chuva, um líquido altamente tóxico e fétido, nocivo ao meio ambiente, que pode contaminar córregos, rios e lençóis freáticos.

A possibilidade da retirada de algum material aproveitável do lixo produzido pelos moradores de Votorantim atrai catadores há bastante tempo, pois existem até acampamentos nas proximidades, onde são depositados em sacos os materiais aproveitáveis retirados do lixo.

Um aterro sanitário para funcionar precisa ter impermeabilização de solo e controle de tratamento de chorume. Também não pode ser permitida a presença de pessoas alheias ao serviço, além de rigoroso controle para impedir a presença de animais. O aterro de Votorantim até tem portaria e controle de entrada, mas é possível entrar por acessos laterais, como fazem os catadores.

A Prefeitura de Votorantim, como revelou um de seus secretários, conhece a situação, a presença de catadores e admite que é um problema de décadas. Alega ser difícil controlar a entrada de estranhos no local. Manter vigilância eficiente ou fechar os acessos ao aterro representaria, segundo ele, um custo muito alto.

Como constatou um médico infectologista ouvido pela reportagem, as condições do aterro oferecem riscos muito altos aos catadores, vivem em situação precária e sem as mínimas condições de higiene. Os animais presentes no local podem ser transmissores de doenças para a população.

Pelo que mostra a reportagem -- e não foi contestada pela Prefeitura de Votorantim -- o aterro parece ser operado de maneira errada. O intervalo muito grande entre a chegada dos caminhões e a compactação desse material seria um dos principais problemas.

A Cetesb informou que fará uma vistoria no aterro localizado em área rural, na divisa entre Votorantim e Piedade. A última visita, segundo o órgão, teria ocorrido em novembro do ano passado, mas pelo visto os fiscais nada encontraram de irregular.

O promotor de Justiça Luiz Alberto Meirelles Szikora, de Votorantim, considerou a situação do aterro como inaceitável, principalmente em razão dos catadores. Segundo ele, o isolamento efetivo do aterro é uma questão de saúde pública.

Votorantim já teve problemas legais com um antigo lixão e até hoje não cumpriu totalmente o processo da recuperação da antiga área. O Conselho Tutelar de Votorantim também foi ao local, verificar a presença de crianças e adolescentes. Toda essa mobilização é positiva.

Quem sabe com essa pressão o aterro volte a funcionar de maneira adequada e a Cetesb, a quem cabe fiscalizar seu funcionamento, fique mais atenta daqui para a frente e não permita novas irregularidades e operações que coloquem adultos e crianças em situação de risco.