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Repatriação da história do mundo

16 de Abril de 2021 às 00:01

Uma notícia curiosa e importante chamou a atenção nesta quinta-feira (15). A Justiça da França autorizou a repatriação de 998 fósseis brasileiros, de animais e plantas, comercializados de forma ilegal ao país europeu.

Os fósseis são todos provenientes da bacia do Araripe, na divisa dos Estados do Ceará, Piauí e Pernambuco, uma das regiões com o maior número de casos relatados de tráfico desses materiais no Brasil.

A decisão da Corte de Apelação de Lyon atendeu a um pedido apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) no final de 2019. Segundo o processo, os fósseis foram apreendidos em 2013, no porto de Havre (França).

O procurador Rafael Ribeiro Rayol, lotado em Juazeiro do Norte (CE), foi quem encabeçou o pedido via Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal.

Segundo ele, agora o MPF começará os trabalhos para o traslado seguro do material de volta ao Brasil. Os fósseis serão levados ao museu de paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca), reconhecido pela Unesco como o primeiro geoparque das Américas.

Entre os fósseis estão um pterossauro da espécie Anhanguera santanae e mais 45 peças de várias espécies, avaliados em cerca de R$ 2,5 milhões. Eles foram encontrados em operação de busca e apreensão feita pela polícia francesa após solicitação do Ministério Público Federal junto às autoridades locais.

Tal operação teve início quando, em 2014, uma bióloga da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) soube da venda de um pterossauro em um site de leilões. Ao buscar mais informações, ela descobriu o paradeiro das peças e acionou o MPF. O caso foi parar nos tribunais e somente agora houve um desfecho.

Segundo o Ministério Público Federal, há dois outros pedidos de repatriação de fósseis em tramitação, referentes a milhares de exemplares retirados sem autorização da Chapada do Araripe.

Um caso emblemático envolve o Ubirajara jubatus, como foi batizado uma nova espécie de dinossauro genuinamente brasileira.

O animal tinha o tamanho de uma galinha, andava sobre duas patas e tinha o corpo coberto por fios longos e finos, uma forma rudimentar de penas. Estima-se que o Ubirajara jubatus tenha vivido há cerca de 120 milhões de anos onde hoje está o Nordeste brasileiro, alimentando-se de insetos e pequenos vertebrados.

A descrição desse exemplar raro de dinossauro do Cretáceo Inferior, período geológico que durou de 146 milhões a 100 milhões de anos atrás, consta de um estudo publicado na revista Cretaceous Research por uma equipe internacional de pesquisadores.

A descoberta se deu a partir de análises de fósseis da bacia do Araripe. O holótipo, peça única que serve de base para a descrição de uma nova espécie, está no Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, o que chamou a atenção de pesquisadores brasileiros. Eles desconfiam de que o fóssil também foi retirado ilegalmente do País.

Diferentemente dos Estados Unidos e de alguns países europeus, os fósseis no Brasil são considerados propriedade do Estado, sejam eles encontrados em terras públicas ou privadas, e, por isso, não podem ser retirados do País ou comercializados.

O mesmo ocorre na China, Mongólia, Marrocos e Mianmar (antiga Birmânia). A primeira lei brasileira sobre patrimônio fossilífero data de 1942 e estabelece que a extração desses materiais depende de autorização de um órgão que, em 2018, passou a se chamar Agência Nacional de Mineração (ANM), vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

Em 1990, o antigo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) estipulou que cientistas estrangeiros precisariam também de sua autorização para fazer coletas no Brasil. Um ano depois, a Lei de Usurpação definiu como crime a exploração de matéria-prima da União sem prévia autorização.

A recente decisão definitiva da Justiça francesa colocou o tráfico de fósseis novamente em evidência no Brasil. Ao mesmo tempo, deu mostras de como a união de cientistas e estudiosos, em parceria com as autoridades do Ministério Público Federal, conseguiu repatriar peças valiosas.

Que os nossos governantes, em todas a esferas, saibam cuidar e proteger esse patrimônio que não é somente do Brasil e, sim, da humanidade. Não adianta recuperar esses fósseis para depois perdê-los por conta de má gestão, má intenção, incêndios em museus inseguros e falta da devida atenção.