Remédio equivocado pode matar o doente

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Premida pela indiscutível necessidade de equilibrar as contas públicas do Estado de São Paulo, a equipe econômica do governador João Doria fechou os olhos e a partir do segundo semestre de 2020 saiu atirando para todos os lados.

Sem mensurar o calibre da munição e desconsiderando os rombos que poderiam abrir nos setores mais sensíveis da complexa engrenagem que move a economia, os burocratas do Palácio dos Bandeirantes construíram um pacote de ajustes que inclui desde a redução de despesas básicas até o corte de benefícios fiscais.

Balizando o diagnóstico exclusivamente na frieza dos números, não se pode negar que alguma atitude tinha de ser adotada visando o reforço do caixa paulista. Afinal de contas, não é preciso ser professor de matemática para perceber as consequências de uma queda de arrecadação na ordem de 13,5% em apenas 12 meses.

De um total de R$ 876 bilhões arrecadados em 2019 -- somando os impostos e taxas em todos os âmbitos --, conforme os dados do Impostômetro, São Paulo apurou apenas R$ 758 bilhões no ano passado.

Os R$ 118 bilhões de quebra -- sem considerar inflação e crescimento vegetativo -- teriam de ser compensados de alguma maneira.

Esse descompasso contábil aliado ao aumento das despesas por conta da pandemia do novo coronavírus se repetiu em todos os municípios, Estados, províncias e países do planeta, demandando reações austeras de todos os níveis de governo.

O que causa estranheza no território paulista, no entanto, é a maneira atabalhoada com que o projeto de lei e os decretos que delinearam as medidas foram tratados pelo Poder Executivo e, pior ainda, como receberam o aval da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) para poderem entrar em vigor.

A impressão que o governo de São Paulo deixa transparecer é de um oportunismo intempestivo para manejar com uma única canetada o conjunto de pressupostas desconformidades econômicas elencadas por meio de critérios discutíveis.

Assim, foram incluídas no mesmo bolo os benefícios para os portadores de deficiências físicas ou intelectuais adquirirem veículos -- isenção do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) --, os repasses de verbas para as santas casas -- destinadas a tratamentos oncológicos -- e até a redução de benefícios concedidos por meio do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) a setores-chave como alimentação e transporte.

Prova de que pelo menos uma parte das medidas adotadas carecia de fundamentação mais sólida é a suspensão parcial de algumas das determinações previstas na legislação recém-aprovada, mesmo sem a necessidade de nova legislação cancelando aquela.

Originalmente enviada pelo governador João Doria para a Alesp sob a forma do Projeto de Lei 529/2020, a proposta alegava buscar medidas voltadas ao ajuste fiscal do Estado e ao equilíbrio das contas públicas do governo.

Na ocasião, diversas entidades representativas de setores produtivos paulistas se manifestaram contrariamente à aprovação do texto original, justamente por enxergarem os riscos agregados.

Sindicatos e associações ligadas aos agricultores endossaram, por exemplo, justificativas defendidas pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), no outro extremo da cadeia produtiva, contrárias à inclusão do ICMS -- a partir da próxima sexta-feira (15) -- na composição dos preços de inúmeros produtos comercializados pelos supermercados. O rol dos produtos afetados inclui o básico do básico, ou seja, a alimentação.

A reestruturação do ICMS, como proposta pelo governador e aprovada pelos deputados, atinge em cheio os agricultores e os preços finais dos produtos hortifrutigranjeiros. Este setor, já injustamente esquecido na maioria dos programas de incentivo à agricultura -- visto que não é commodity, como a soja e o café, por exemplo --, é o mais sensível à sazonalidade, às intempéries e ao bolso dos consumidores.

Vale destacar a fragilidade de muitos municípios da Região Metropolitana de Sorocaba (RMS), diante de todo esse cenário, porque é justamente na hortifruticultura que reside a base de suas economias.

Na linha de frente dessa batalha estão Ibiúna, Piedade, São Miguel Arcanjo, Pilar do Sul e Itapetininga, entre outros, que, independentemente de inflação ou deflação, terão seus custos aumentados do dia para a noite, fazendo com que percam força de negociação frente aos produtos de outros Estados.

É por detalhes como estes, que os economistas do governo paulista podem considerar insignificantes no momento de tomar decisões abrangentes, que o bom senso clama pela retomada das discussões acerca do pacote econômico.

A complexidade e amplitude das questões envolvidas exigem mais do que suspensões de itens isolados da nova legislação, como ocorreu nos últimos dias. Os fatos provam que a alternativa mais justa é a revogação da lei e o reinício -- do zero --, promovendo ampla discussão com todos os setores envolvidos.