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Penduricalhos nos municípios

06 de Junho de 2020 às 00:01

O Ministério Público de Contas (MPC) ao tomar conhecimento de uma lei que não atende interesse público e existe em pelo menos 128 municípios paulistas, propôs à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) o ingresso de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para acabar com esse pagamento.

Trata-se do salário-esposa, uma espécie de gratificação injustificada que servidores de todos os níveis recebem mensalmente após a criação de leis que asseguram o benefício. Em Sorocaba o salário-esposa é pago aos funcionários do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Fundação da Seguridade social dos Servidores Públicos Municipais de Sorocaba (Funserv) e da Câmara Municipal.

Não é necessário ser especialista em direito para perceber que se trata de uma lei feita somente para agradar os servidores, pois não há nenhuma praticidade nela, apenas destina um mimo mensal para esposas de funcionários sem que elas tenham colaborado diretamente com o serviço público.

No documento encaminhado pelo MPC consta que falta razoabilidade no pagamento e que a lei não atende ao interesse público, mas exclusivamente os interesses privados dos agentes públicos. De acordo com o MPC, no período que vai de janeiro de 2017 a agosto do ano passado, pagamentos semelhantes foram realizados em 128 municípios do Estado de São Paulo e que somaram valor superior a R$ 243 milhões, um custo médio anual de R$ 91 milhões.

Uma soma considerável que poderia ser utilizada, em tempos atuais, no combate à pandemia provocada pelo novo coronavírus. Em Sorocaba as despesas provocadas por essa lei também foram representativas. No mesmo período -- entre 2017 e 2019 -- foram gastos R$ 560 mil.

A lei que concede o benefício aos servidores de Sorocaba não é recente. Faz parte da Lei 3.800 de 3 de dezembro de 1991, o Estatuto dos Servidores Públicos Municipais de Sorocaba. O salário-esposa se destina evidentemente a servidores casados cujas esposas não exerçam atividade remunerada. De acordo com o dispositivo, ele pode ser concedido a todo funcionário ativo ou aposentado e representa 5% do salário mínimo, o que equivale hoje a R$ 52,25. O benefício só é cortado em caso de licença sem remuneração.

Questionada, a Câmara de Vereadores de Sorocaba informa que só se manifestará diante de uma eventual decisão judicial. No entender do Legislativo, o MPC fez apenas um pedido para que o PGJ entre com uma ação judicial. O Saae, que também paga o salário-esposa informa que efetua o pagamento aos seus servidores que se enquadram nas normas, em cumprimento à legislação municipal. De acordo com a autarquia, se os atuais entendimentos sobre o assunto venham a ser alterados, irá cumprir as novas normas e legislação pertinentes.

O pagamento desse benefício pouco conhecido pela população ocorre em mais de uma centena de municípios do Estado e vários deles da nossa região, como Itu, Salto, São Roque e Cesário Lange, envolvendo geralmente os serviços de água e esgoto. Em todos esses municípios trata-se de legislação antiga. E o Ministério Público de Contas informa que está desmembrando o caso em diversos processos, um para cada município.

Esse tipo de benefício, embora estranho para a maioria da população, é apenas um dos que ao longo do tempo foram sendo concedidos a certas categorias profissionais do funcionalismo, e que acabam criando despesas gigantescas para os cofres públicos, os chamados “penduricalhos”, que são auxílios ou vantagens que acabam elevando consideravelmente o salário dos servidores.

Muitas categorias de servidores ativos ou aposentados, sobretudo no Legislativo e no Judiciário ainda se beneficiam dessas benesses que acabam minando orçamentos. A criação de benefícios para algumas categorias do funcionalismo ocorre há décadas e muitos candidatos levantam a bandeira de acabar com esses benefícios legalmente instituídos, mas moralmente injustificáveis.

O atual governo também levantou essa bandeira de moralização e a atual equipe econômica iniciou o planejamento de uma reforma administrativa que retiraria muitos dos penduricalhos, como auxílios diversos, horas-extras, verbas indenizatórias diversas, promoção por tempo de serviço, reajustes de salários retroativos e até a concessão de aposentadorias compulsórias com salários proporcionais como forma de punição.

Vez ou outra o Congresso também se movimenta nesse sentido, nem sempre obtendo êxito. Levantamento realizado por congressistas mostra que somente o auxílio-moradia pago pela União, que beneficia várias categorias, custa R$ 1 bilhão por ano. O ideal seria que trabalho semelhante ao realizado pelo Ministério Público de Contas com as prefeituras fosse realizado nacionalmente em todos os níveis de poder para identificar benefícios injustificados, que não são poucos. O trabalho geraria uma economia imensa.