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Operação acuada

20 de Março de 2019 às 00:01

A Lava Jato, uma das mais bem-sucedidas operações de combate à corrupção que desbaratou um esquema de desvio bilionário da Petrobras e obras públicas, completou cinco anos na semana passada, a mesma em que sofreu pelo menos três golpes que podem abalar seu desempenho daqui para frente. Na última quinta-feira (14) o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por seis votos a cinco que casos de corrupção associados ao caixa 2 de campanha devem ser remetidos à Justiça Eleitoral e não à Justiça comum. Segundo a Procuradoria-Geral da República, promotores, investigadores da Lava Jato e boa parte da opinião pública, essa interpretação poderá impactar a apuração de crimes de corrupção. Tanto que, de maneira espontânea, foram realizadas manifestações em várias cidades brasileiras no último domingo contra a decisão do STF. Também inspirou a CPI da Toga que deverá ser protocolada hoje no Congresso.

Além de retirar os crimes relacionados ao caixa 2 da Justiça Federal, sonho de todo político envolvido em escândalos, o presidente do STF, Dias Toffoli, anunciou abertura de inquérito para apurar fake news, ameaças e ofensas contra os membros do tribunal e seus familiares. Há quem acredite que entre os possíveis alvos estejam procuradores da Lava Jato que teriam, na visão dos ministros, incentivado a população a ir contra as decisões do STF.

A terceira medida que teve como alvo a Lava Jato foi a suspensão do acordo que previa a criação de uma fundação de combate à corrupção que utilizaria parte dos R$ 2,5 bilhões recuperados da Petrobras, pagos graças a um acordo entre a estatal e o governo americano. A criação da entidade já havia sido suspensa a pedido dos próprios procuradores, mas mesmo assim o MPF foi acusado de extrapolar suas prerrogativas e receber recursos que não estavam previstos no orçamento.

Nos últimos cinco anos partiram de Curitiba ordens para 269 mandados de prisão, 1.196 buscas e apreensões e 159 réus já foram condenados, o que inclui o ex-presidente Lula, ex-ministros como José Dirceu e Antonio Palocci, ex-parlamentares como Eduardo Cunha e Gim Argello, os ex-governadores como Sérgio Cabral e Pezão e megaempresários da construção civil como Marcelo Odebrecht e Leo Pinheiro. Ao todo, as penas somadas chegam a 2.294 anos de prisão. Somente 3,6% das condenações dadas pela Justiça Federal do Paraná foram revertidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e a corte confirmou quase a metade das condenações proferidas pelo ex-juiz Sérgio Moro e em 18% dos casos aumentou as penas. Alguns críticos dos métodos da operação lembram o uso generalizado de prisões cautelares. Em todo o caso, pode-se considerar que a Lava Jato foi um divisor de águas na Justiça brasileira. Sua atuação inspirou procuradores de outros países como Peru, Panamá e Colômbia, locais onde as empreiteiras envolvidas no escândalo brasileiro também estenderam seus tentáculos usando a mesma metodologia baseada na corrupção.

Das três medidas que afetam direta ou indiretamente a força-tarefa, seguramente a que transfere para a Justiça Eleitoral boa parte dos processos de corrupção é o mais preocupante. Não podemos esquecer que foi a principal justificativa do ex-presidente Lula para o Mensalão, em 2005, quando se descobriu que parlamentares recebiam mesada para votar com o governo. O ministro da Justiça Sérgio Moro diz que respeita a decisão do STF, mas lembra que a Justiça Eleitoral não está preparada para julgar crimes complexos, não tem estrutura material para isso. Como lembrou o jornalista Elio Gaspari, num exemplo exagerado: “mandar para a Justiça Eleitoral o processo de um coletor de propinas porque ele diz que tudo era caixa 2 seria o mesmo que começar numa Vara de Família o processo do assassino de um casal que deixou quatro filhos, tornando-os órfãos”.

Há uma corrente de juristas que entende que a decisão do STF está correta, pois amparada na Constituição. Defendem também a Justiça Eleitoral como capaz de encarar esses julgamentos e de ser mais rápida que a Justiça Federal. De toda maneira, o que esperam os brasileiros é que uma operação da envergadura da Lava Jato não seja esvaziada e muito menos que suas conquistas sejam anuladas e condenações revertidas. O ministro do STF Luís Roberto Barroso, voto vencido no embate sobre a Lava Jato, lembrou algo essencial nessa análise: “o que importa não é para onde o dinheiro vai, mas de onde ele vem. Se ele vem de propinas, o delito não é eleitoral, mas corrupção”.