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Novo Cangaço

04 de Dezembro de 2020 às 00:01

Esta semana a pacata cidade catarinense de Criciúma foi acordada por uma onda de terror. Bandidos fortemente armados -- aproximadamente 30, segundo a polícia -- fecharam os acessos da cidade, isolaram o batalhão da Polícia Militar com um veículo em chamas e espalharam o terror disparando centenas de tiros pelas ruas da cidade, intimidando a população. O objetivo principal era o cofre de uma agência bancária na região central que foi explodido pelos bandidos que fugiram com quantidade muito grande de dinheiro. Dois dias depois, crime semelhante, mas em escala menor, foi praticado na pouco conhecida cidade paraense de Cametá. Lá os bandidos fugiram de barco depois de dominar a cidade. Ontem, alguns suspeitos de terem participado do assalto foram detidos e parte do dinheiro recuperado, mas o grande assalto ainda está longe de ser totalmente esclarecido.

Esse tipo de roubo, com características particulares, não chega a ser novidade para os paulistas, inclusive da região de Sorocaba. Essas táticas do chamado Novo Cangaço já foram comentadas neste espaço em mais de uma ocasião, em uma fase em que a bandidagem treinava suas ações em cidade de menor porte. Várias foram as cidades da região em que os bandidos entraram durante a madrugada, sempre com armas de grosso calibre, dominaram a polícia e as entradas da cidade, e estouraram caixas eletrônicos e caixas de agências bancárias. Várias cidades tiveram suas agências praticamente destruídas e acabaram ficando sem serviço bancário. A direção dos bancos percebeu a vulnerabilidade em pequenos municípios do interior, com efetivo policial mínimo e optaram por não reabrir várias agências nos últimos anos, prejudicando toda a população.

A partir desses ataques em cidades mais vulneráveis, o crime organizado passou a visar cidades médias, onde os depósitos em bancos eram maiores e igualmente o contingente policial sempre foi limitado. Foi assim que teve início uma série de ataques a cidades médias do Estado de São Paulo como Ourinhos, Araraquara e Botucatu, próximo a Sorocaba, no mês de julho, de onde levaram mais de R$ 3,5 milhões. Além de fechar as principais entradas e saídas desses municípios, a tática consiste em atemorizar a polícia, como fizeram em Criciúma. Os bandidos sabem que, nessas situações, grupos de elite da polícia são acionados, mas eles já levam em conta o tempo de deslocamento desses policiais de batalhões de elite, que geralmente existem apenas em cidades maiores.

Especialistas em segurança relacionam esses grandes assaltos com uma facção criminosa que depois de dominar os presídios paulistas e o tráfico de drogas em vários Estados brasileiros, ampliou consideravelmente seus negócios e hoje está diretamente ligada ao tráfico internacional de drogas, usando todo tipo de transporte para enviar entorpecentes para o continente europeu. Segundo esses especialistas, a origem dessa facção não é o tráfico, negócio extremamente rentável a que ela passou a se dedicar há muitos anos, mas sim o assalto a bancos. Com recursos material e pessoal disponível, teria conseguido treinar muitos bandidos para praticar assaltos ousados, tendo como base a experiência dos líderes da facção, a maioria presa em regime fechado.

Quem acompanha o combate à criminalidade, principalmente ao crime organizado, afirma que há uma característica que chama a atenção nesses megarroubos. Eles geralmente acontecem quando as facções criminosas precisam levantar muito dinheiro rapidamente. Faz algum sentido, pois recentemente, em mais uma das investidas da Polícia Federal contra o crime organizado, foram apreendidos bens e recursos da principal facção criminosa do País que ultrapassaram R$ 1 bilhão, além de grande quantidade de drogas. Essas apreensões foram precedidas pela queda nas vendas de drogas nos pontos tradicionais, pois a política de isolamento social nos últimos meses teria afetado a arrecadação de dinheiro. A Polícia Federal também tem intensificado a fiscalização -- e apreensão -- de cocaína em diversos portos brasileiros, a nova e lucrativa atividade de facção criminosa de São Paulo, agora em contato direto com diversos grupos mafiosos da Europa.

Para que esses megarroubos não se repitam é preciso investir em investigações e inteligência, trabalho semelhante ao que foi feito para chegar até laranjas e empresas fantasmas que cuidavam das finanças dos bandidos. Sem esse trabalho, é bem provável que ataques dessa envergadura se repitam, cada vez mais violentos, em vários Estados brasileiros.