Espetáculo cruel

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A descoberta pela polícia da existência de uma rinha de cães em Mairiporã, onde os animais lutavam entre si, muitas vezes até a morte, causou grande comoção. Foram presas no local 41 pessoas, entre elas um médico e um veterinário que assistiam ao espetáculo sangrento.

Dias depois, a localização de uma chácara em Itu, na Região Metropolitana de Sorocaba, onde parte dos animais eram preparados para a luta desencadeou protestos de entidades ligadas à preservação da vida animal e cidadãos indignados com a crueldade a que os animais eram submetidos.

A chácara de Mairiporã, na Região Metropolitana de São Paulo, era onde estava instalada a rinha, quadrilátero onde os animais se enfrentavam, mas os cães, a maioria da raça pitbull, era levada ao local por criadores e “preparadores” de cães, um personagem que circula no submundo dessa atividade cruel.

Em Itu, conforme mostrou a reportagem do Cruzeiro do Sul, a polícia resgatou 33 animais em situação precária de saúde, mal alimentados, feridos, resultado de combates recentes. Pelo que foi encontrado no local, os cães tomavam anabolizantes e até testosterona antes da luta, para ficarem mais agressivos.

Havia equipamentos específicos para o treinamento dos animais, como esteiras. Todos os cães estavam acorrentados em árvores, viviam em pequenos abrigos de madeira e sem alimentação. Alguns precisaram de transfusão de sangue.

Há uma ligação direta entre os cães de Itu e a rinha de Mairiporã. Um dos 41 presos na rinha, um peruano, seria o responsável pela chácara em Itu e pela criação de cães de briga. Descobriu-se também que para efeito de treinamento e para aumentar a agressividade dos cães, eram usados animais silvestres para o treinamento, como gambás, porquinhos-da-índia e até raposas.

Esses animais eram colocados como alvos para serem caçados pelos cães. Em Mairiporã foram resgatados 17 cães, oito bastante debilitados pelos ferimentos causados pelas brigas e dois acabaram morrendo. Eles foram encaminhados, assim como os apreendidos em Itu, para ongs que se dedicam à proteção animal.

Rinhas para lutas de cães existem em praticamente todo o País. Como são proibidas, funcionam na clandestinidade e são frequentadas apenas por pessoas que gostam desse tipo de selvageria. Mais comuns, principalmente nas cidades do interior, são as rinhas de galo, que também são proibidas.

Essa atividade tem sua origem, segundo os pesquisadores, na Índia ou na Ásia Menor e já foram encontrados documentos sobre essa prática datados de 1.400 a.C. Se tornaram comuns na Grécia Antiga, Irã e Oriente Médio e foram levadas para a Europa pelos romanos.

Na Europa as rinhas de galo se tornaram populares na França, Inglaterra e Espanha, de lá foram trazidas para a América onde são muito populares em diversos países, além de ser uma atividade lucrativa. Essa prática foi trazida para o Brasil pelos portugueses e durante muito tempo foi considerada um tipo de “esporte”.

As rinhas de cães são menos comuns em comparação com as rinhas de galo. O Cruzeiro do Sul já noticiou dezenas de interdições de rinhas na região, algumas com mais de 50 galos preparados para brigar. Em alguns casos, segundo o noticiário, foi necessário o fretamento de ônibus para encaminhar todos os envolvidos para a delegacia.

A legislação sobre o assunto é cheia de avanços e recuos. A prática de brigas de animais foi proibida no Brasil na década de 1940. Um decreto-lei de 1941 (lei de contravenções penais) previa uma pena bastante branda para quem tratasse um animal com crueldade.

Jânio Quadros, no seu curto mandato presidencial, proibiu a prática em todo território nacional em 1961, mas seu decreto foi revogado um ano depois pelo então primeiro-ministro Tancredo Neves, durante nossa igualmente curta experiência parlamentarista.

Hoje está em vigor a lei 9.605 (art. 32) que prevê penas de três meses a um ano, mais multa para quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Os envolvidos na rinha de cães deverão responder por maus-tratos, jogos de azar e associação criminosa.

Mas nada se compara à repugnância e à revolta que causa essa prática de instigar cães e outros animais a brigarem até a morte para satisfazer a mente doentia de alguns expectadores. Além de movimentar grandes somas em apostas, é claro.