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Encontro polêmico

16 de Fevereiro de 2020 às 00:01

O papa Francisco recebeu em audiência privada, no último dia 13 de fevereiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o qual conversou por cerca de uma hora. O encontro ocorreu na Casa Santa Marta, um local onde o líder religioso promove reuniões mais informais, sem precisar obedecer aos rígidos protocolos palacianos.

Foi a primeira viagem internacional do ex-presidente nos últimos cinco anos. Durante o período em que esteve preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, por conta da condenação no caso do apartamento tríplex do Guarujá, um dos vários processos a que o ex-presidente responde, houve troca de correspondências entre o preso e o Pontífice, segundo o que vem sendo noticiado. Condenado à prisão em segunda instância, Lula foi solto depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) criou jurisprudência que deu liberdade aos condenados até o esgotamento de todos os recursos judiciais.

O pedido para que o Sumo Pontífice recebesse o ex-presidente nesse encontro informal foi encaminhado pelo recém-empossado presidente da Argentina, o peronista Alberto Fernández, que manteve um encontro oficial com o papa Francisco no final do mês de janeiro. De acordo com o site do Instituto Lula, o ex-presidente viajou à Santa Sé para tratar de temas como fome, desigualdade social e intolerância em conversa com o Pontífice, temas relevantes, mas de pouca utilidade para um cidadão já condenado, impedido de participar do processo eleitoral por conta da Lei da Ficha Limpa e que passará os próximos anos em batalhas judiciais por conta das ações criminais em que está envolvido e, certamente, mais alguns períodos de prisão. Pelo lado do Vaticano, o teor mais detalhado do que foi tratado no encontro não foi revelado, nem divulgado em comunicado oficial, tendo em vista o caráter privado da reunião.

De toda maneira, o encontro entre o líder católico e um ex-presidente condenado por crimes de corrupção -- e que ainda responde a várias ações penais -- gerou certo mal-estar no governo e em boa parte dos católicos brasileiros, descontentes com o tratamento dado ao petista. Ao mesmo tempo, o encontro vem sendo usado pelas redes sociais e pelos meios de comunicação ligados ao Partido dos Trabalhadores como uma vitória do ex-presidente e prova de seu prestígio internacional, uma boa maneira de aumentar seu capital político. Para poder viajar para Roma, onde também manteve encontros com sindicalistas e políticos italianos, o ex-presidente pediu o adiamento de um interrogatório que estava previsto para 11 de fevereiro. O interrogatório, ligado à Operação Zelotes, foi adiado para o dia 19 de fevereiro.

Oficialmente o governo brasileiro não se manifestou sobre o encontro, mas o desconforto entre suas principais lideranças foi muito grande. Poucos membros do primeiro escalão se manifestaram sobre o episódio. Um deles foi o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que usou da ironia para definir o encontro. Em um post o ministro Heleno Nunes afirmou “Parabéns ao papa Francisco pelo gesto de compaixão. Ele recebeu Lula, no Vaticano. Confraternizar com um criminoso, condenado em segunda instância a mais de 29 anos de prisão, não chega a ser comovente, mas é um exemplo de solidariedade a malfeitores, tão a gosto de esquerdistas”. A postagem, em menos de uma hora, já tinha mais de mil retuítes e 6 mil curtidas, a maioria de simpatizantes do governo Bolsonaro, parabenizando o general pela mensagem.

Mas a manifestação mais contundente contra a visita foi do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, do PSL de São Paulo, que enviou uma carta ao arcebispo Dom Giovanni D’Aniello, Núncio Apostólico em Brasília, questionando a visita. O deputado Luiz Philippe é vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e em 2018 foi considerada sua candidatura a vice-presidente da República na chapa do então candidato Jair Bolsonaro, na época no mesmo partido. O parlamentar lembrou que o ex-presidente já foi condenado por corrupção e peculato e responde a nove processos na Justiça brasileira. Em termos duros e forte viés ideológico, o deputado questiona “se Sua Santidade não teme pela imagem da Igreja ao apoiar abertamente notórios comunistas brasileiros que comprovadamente cometeram graves crimes”. Como se viu, a carta que questionava a visita ficou registrada no Vaticano, mas não teve êxito. O encontro ocorreu e só o futuro dirá se irá alterar a imagem do papa Francisco no Brasil, ou mesmo da Igreja Católica, que perde seguidores a cada dia. Restou uma sensação de desconforto em grande parcela da população que condena as atitudes do ex-presidente e aguardam que ele acerte suas contas com a Justiça.