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Em busca de 'gatos'

23 de Agosto de 2020 às 00:01

Seja por carência financeira ou para obtenção de lucro fácil, os chamados “gatos” de serviços são práticas ilegais arraigadas em todos os recantos do País.

Além de figurar na lista de crimes previstos no Código Penal Brasileiro -- cujas punições variam de multas à prisão por até oito anos -- os furtos e fraudes nas redes de energia elétrica e de água encanada, assim como em sistemas de transmissão de sinais de TV a cabo e de internet, também acarretam múltiplos prejuízos à sociedade.

Os inconvenientes começam com a elevação dos custos compartilhados e avançam até à redução ainda maior da já combalida arrecadação dos órgãos públicos.

O rastro de consequências, no entanto, ainda inclui a deterioração da qualidade dos próprios serviços, assim como a potencialização dos riscos de interrupções e acidentes.

Integrantes do ilimitado repertório de falcatruas conhecidas como jeitinho brasileiro de levar vantagem em tudo, os “gatos” nos serviços vêm sendo combatidos por meio de custosos programas desenvolvidos por empresas e autarquias em todas as regiões.

Não obstante as cifras superlativas envolvendo consumo ilegal e prejuízos, chama a atenção outro fato revelado pelas fiscalizações e operações destinadas a refrear esse tipo de evasão: furtos e fraudes relacionados à energia elétrica, água e sinais de TV e internet não são condutas exclusivas das classes de rendas mais baixas ou famílias residentes nas periferias urbanas.

Flagrantes efetuados pelas forças policiais constatam crimes cometidos por empreendimentos de diversas áreas de atuação e por moradores de bairros de classes média e alta.

Em agosto do ano passado, por exemplo, uma operação realizada pela CPFL Piratininga -- distribuidora de energia elétrica para a região de Sorocaba --, com apoio da Polícia Civil, resultou na identificação de quatro supermercados que manipulavam os equipamentos de medição de consumo de energia.

Poucos meses antes, uma ação do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Sorocaba em parceria com as corporações policiais locais deteve um comerciante que furtava água.

As provas obtidas no estabelecimento, um conhecido restaurante instalado no Jardim Santa Rosália, confirmaram a adulteração do hidrômetro.

No primeiro semestre de 2020, a CPFL Piratininga localizou e regularizou 1.115 fraudes nos municípios de Sorocaba e Itu. As irregularidades foram constatadas durante 10.551 inspeções, o que corresponde à média superior a 10% de adulterações.

Ainda conforme a empresa, o montante de energia consumida ilegalmente em 865 imóveis sorocabanos e em outros 250 da cidade vizinha atingiu 4.152 MWh (mega watt-hora).

Acrescentando a estes números os dados obtidos na região de Jundiaí, o volume de eletricidade desviada seria suficiente para abastecer 108.720 residências durante um mês.

Já em toda a área abastecida pela distribuidora, compreendendo 27 municípios, os “gatos” encontrados entre os meses de janeiro e junho deste ano totalizaram 41 GWh (giga watt-hora).

Para se ter uma ideia do tamanho da fraude, basta dizer que essa quantidade de eletricidade é suficiente para manter 273.360 residências -- equivalente a uma cidade cerca de 50% maior do que Sorocaba -- durante um mês.

Em âmbito nacional, a estimativa é de que, neste ano, cerca de 50 mil GWh sejam consumidos sem o devido pagamento de tarifas pelos reais consumidores.

Na prática, significa que os R$ 15 bilhões não pagos às 67 distribuidoras que operam no País serão rateados entre todos os demais brasileiros que constam nos cadastros de clientes de energia.

A democratização do rombo ocorre porque a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) criou mecanismos que preveem a inclusão dos chamados “danos comerciais” na fórmula matemática utilizada para calcular as tarifas cobradas.

Fazem parte deste item todas as perdas não técnicas, como erros na leitura dos medidores -- feita pelos funcionários das próprias empresas --, fraudes em relógios e furtos de energia.

Os furtos de sinais de TV e de internet, por sua vez, tornaram-se atividades altamente lucrativas.

Atuando em grupos organizados, principalmente em grandes comunidades, como bairros periféricos e comunidades, os fraudadores oferecem abertamente os serviços ilegais, inclusive com propaganda em redes sociais.

Além de desviar os sinais gerados a partir de empresas devidamente autorizadas, os criminosos também comercializam modens e decodificadores digitais contrabandeados.

Nestes casos, os delitos são mais complexos, abrangendo também a evasão de rendas.

Como ficou demonstrado, o popular “gato” exprime, na verdade, graves problemas sociais e culturais que requerem respostas efetivas.

De um lado, políticas públicas eficientes e, de outro, a conscientização da sociedade quanto aos seus malefícios.

Inexplicavelmente, tanto a transgressão como as suas consequências continuam sendo tratadas com excessiva permissividade.