Editorial: Reserva de vagas

Por

O último balanço divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, no segundo trimestre deste ano, o número de desempregados no Brasil caiu para 13 milhões de pessoas. Com isso, o índice de desemprego no País baixou para 12,4%, mesmo assim temos um número astronômico de pessoas sem emprego. Some-se a esse total aqueles que fazem parte do grande contingente de trabalhadores informais e que já somam mais de 37 milhões de pessoas. São trabalhadores da iniciativa privada sem carteira assinada, os que trabalham por conta própria, mas não têm CNPJ, ou seja, pessoas que se dedicam a alguma atividade econômica e produtiva, sem qualquer proteção previdenciária. Há ainda aqueles que, depois de anos tentando conseguir alguma colocação, simplesmente desistiram de procurar emprego e com isso saíram das estatísticas. O grande destaque nas contratações no segundo trimestre foi o setor público, que admitiu quase 600 mil trabalhadores. Esses dados mostram que a recuperação econômica caminha a passos lentos, com crescimento muito aquém do esperado no início do ano.

É nesse contexto que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que também preside o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no exercício da Presidência da República durante viagem internacional do presidente Michel Temer, assinou decreto (nº 9.450/2018) que institui a Política Nacional do Trabalho no Âmbito do Sistema Prisional (Pnat), uma medida que tem como objetivo a ressocialização de milhares de presos em regime fechado, semiaberto e egressos do sistema prisional. De acordo com o decreto, que está em vigor desde a semana passada, órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão exigir das empresas que desejam participar de licitações públicas o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressas do sistema prisional sempre que os contratos tenham valor anual acima de R$ 330 mil. Essa medida está em linha com uma mudança da Lei de Licitações (8.666/1993), sancionada pelo presidente Temer em outubro do ano passado, que autoriza órgãos e entidades da administração pública a exigirem, em seus editais de licitação, que as empresas que pretendem prestar serviços ao Estado contratem um porcentual de mão de obra composto por presos e egressos do sistema prisional.

De acordo com o decreto assinado pela ministra, os presos e egressos do sistema prisional deverão compor 3% dos postos de trabalho quando o contrato demandar 200 funcionários ou menos; 4% nos casos em que a exigência for de 201 a 500 trabalhadores, 5% para 501 e mil e 6% para mais de mil funcionários. O preenchimento das cotas indicadas na lei será exigida na assinatura do contrato.

Em Sorocaba, várias empresas que prestam serviços externos para a Prefeitura, como limpeza de jardins, já utilizam de mão de obra de detentos. Na última segunda-feira, o prefeito Crespo sancionou lei que institui o Programa Municipal de Apoio ao Egresso do Sistema Penitenciário, que segue as linhas da Pnat e prevê reserva de vagas para egressos do sistema prisional. Para grandes contratos, as empresas terão que preencher até 10% do total de postos com ex-presidiários.

Há hoje no Brasil aproximadamente 700 mil presos e acredita-se que até 2025 serão 1,5 milhão. A Pnat terá, dessa maneira, condições de dar uma chance àqueles que querem trabalhar e deixar a vida de crimes. Terão, entretanto, que aproveitar a oportunidade de ouro, uma vez que chegarão ao mercado de trabalho por meio de um sistema de cotas e disputarão vagas do mercado de trabalho proporcionalmente com melhores chances que o desempregado comum, que não teve passagem pelo sistema prisional. É uma disputa justa? Talvez essa nova lei, que tem potencial para beneficiar os ex-detentos, supostamente evitando a reincidência e, em última análise, a superlotação de presídios, seja o preço a ser pago por um País onde a violência cresce há décadas e pouco se fez até agora para a ressocialização dos egressos do sistema prisional.