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Dois presentes bem indigestos

24 de Dezembro de 2020 às 00:01

Conforme alertado anteontem aqui neste espaço, o vergonhoso aumento salarial de 46% para o prefeito Bruno Covas foi aprovado ontem pela Câmara dos Vereadores da capital. Resta agora apenas o próprio prefeito sancionar o decreto. Seria uma belíssima surpresa se isso não acontecer. Mas é algo completamente improvável. Não se trata apenas de melhorar o próprio salário pois, cá entre nós, sendo prefeito da maior cidade do País e com os benefícios e facilidades que isso possibilita, na ponta do lápis tanto faz para Covas se ele recebe R$ 24.175, valor do salário atual, ou R$ 35.462, valor do salário a partir de 1º de janeiro de 2022, após essa nefasta decisão. Essa diferença de cerca de R$ 10 mil pesa para qualquer pessoa, claro, menos para boa parte dos políticos de um país chamado Brasil. Na verdade, para a população pesa qualquer quantia, mesmo se fossem apenas R$ 10. Afinal, com R$ 10 é possível comer alguma coisa e, lamentavelmente, temos milhões de pessoas que não possuem nem isso para poder saciar um pouco da fome.

Mas se não pesa para o prefeito, por que aprovar esse aumento? Simples: como já dito aqui, ele vai possibilitar que o teto salarial para o funcionalismo público suba até o patamar do novo rendimento mensal do alcaide da capital paulista. São pressões e manobras de grupos de funcionários públicos querendo melhorar a mamata, aumentar a boquinha. Boquinha, não, nesse caso é bocarra. Infelizmente, uma grande parcela dos nossos funcionários públicos está mais interessada em obter melhorias pessoais, levar vantagem, do que praticar aquilo que deveria ser sua missão: atuar com competência, ética e retidão em suas tarefas. No final das contas, trabalhar da melhor maneira possível para deixar seu patrão satisfeito e para justificar seu salário. Ou seja, trabalhar para a população, pois em última instância é a população que paga o salário de políticos e funcionários públicos.

Parece até uma piada de mau gosto. Num momento em que a maioria dos brasileiros e paulistas amargam uma forte redução de rendimentos, e diante de uma pandemia que dizimou vidas e empregos, tal decisão é uma afronta a todos os cidadãos. O certo seria o prefeito vetar tal descalabro e mostrar que estamos todos no mesmo barco, atravessando essa tempestade repleta de turbulências. Fazer isso, porém, significaria -- mais do que abrir mão de seu próprio rendimento -- bater de frente com os vereadores e seus milhares de aspones e cabos eleitorais que estão esfregando as mãos esperando esse “liberou geral”. E o prefeito depende e dependerá dos vereadores para aprovar seus projetos e governar a capital.

E a contrariedade não para por aí. Ontem também o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o prefeito Bruno Covas (PSDB) determinaram o fim da gratuidade nos transportes públicos para quem tem entre 60 e 65 anos. A nova regra passa a valer a partir de 1º de janeiro de 2021. Para suspender a gratuidade nos transportes municipais para idosos, Covas revogou uma lei de 2013 que garantia a isenção de pagamento da tarifa nas linhas urbanas de ônibus às pessoas com idade igual ou maior que 60 anos. A revogação da lei 15.912 foi publicada ontem no Diário Oficial do município, mesma data em que Doria revogou um decreto de 2014 que regulamentaria a gratuidade para essas pessoas nos outros meios de transporte, como Metrô, trens da CPTM e os ônibus intermunicipais (EMTU), da Grande São Paulo. A justificativa é que a mudança na gratuidade acompanha a revisão gradual das políticas voltadas a esta população, a exemplo da ampliação da aposentadoria compulsória no serviço público, que passou de 70 para 75 anos, a instituição no Estatuto do Idoso de uma categoria especial, acima de 80 anos, e a recente Reforma Previdenciária, que além de ampliar o tempo de contribuição fixou idade mínima de 65 anos para aposentadoria para homens e 62 anos para mulheres. Ok, as justificativas até procedem. Mas era necessário isso? Até porque a economia será irrisória. Primeiro pois em breve o sistema de ônibus de São Paulo vai passar a pagar as concessionárias por custo, e não por passageiro transportado. Depois, porque boa parte dos idosos usa o RG para acessar o ônibus e se mantém antes da catraca. Ou seja, uma medida sem bom senso por parte da dupla de governantes. Não terá impacto significativo no subsídio, mas vai impactar a vida das pessoas dentro dessa faixa de 60 a 65 anos. Uma decisão infeliz.

De que adianta o governador João Doria interromper sua licença de final de ano e voltar para a capital devido ao fato de seu vice, Rodrigo Garcia (DEM), ter apresentado resultado positivo para Covid? Era melhor não voltar e atuar para não permitir tais aberrações.

E nos dois casos (aumento salarial e fim de gratuidade) as medidas foram tomadas a dois dias do Natal. Mais um exemplo dessa prática nefasta de nossos políticos de usar o período de festas de final de ano para “passar a boiada”. Dois presentes de grego para a população neste Natal. Que Sorocaba não siga esses péssimos exemplos da capital.