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Criminalidade e estatísticas

07 de Março de 2019 às 00:01

Nas recentes reportagens publicadas por este jornal envolvendo criminalidade, duas regiões chamam atenção pelo grande número de furtos e assaltos não solucionados. A primeira é a vizinha cidade de Araçoiaba da Serra. Furtos em estabelecimentos comerciais, residências, chácaras e mesmo nas ruas se tornaram parte do cotidiano dos moradores daquela que já foi uma pacata cidade do interior. Outra região seriamente afetada pelo crime é a do Éden, na realidade um conglomerado de bairros na zona leste de Sorocaba que permeiam a zona industrial da cidade. De crescimento explosivo nas últimas décadas, resultado direto da industrialização da região, o Éden soma hoje mais de 160 mil habitantes, população maior que muitas cidades da Região Metropolitana de Sorocaba, como Votorantim, Tatuí e Salto. Os moradores do Éden vivem hoje situação semelhante à dos moradores de Araçoiaba: temem sair de casa à noite, tomam cuidados extremos ao caminhar pela rua e proprietários de estabelecimentos comerciais já perderam a conta o número de vezes que foram assaltados.

O que há em comum entre as vítimas nas reportagens sobre os altos índices de criminalidade nessas regiões -- que não são exclusividade delas, diga-se de passagem -- é que a população sequer presta queixa dos crimes à polícia, conforme explicou um entrevistado da Polícia Civil, justificando a não solução dos casos. Vários moradores e ex-vítimas de bandidos disseram que registrar um boletim de ocorrência demora horas, quando são atendidos no mesmo dia, e não resulta em nada. Experimente o cidadão passar por essa experiência: será considerado uma amolação. Se a vítima optar pelo registro eletrônico do BO terá igualmente muita dor de cabeça. Normalmente o acesso é difícil, a conexão cai e não raro, após a tentativa do registro da ocorrência (nem todo tipo de crime pode ser registrado por via eletrônica) surge o aviso: procurar o Distrito Policial mais próximo.

O aumento da violência aliado ao mau atendimento nos distritos leva a população a desacreditar da eficiência da Polícia Civil, que tem a missão investigativa, e simplesmente desiste de registrar o crime do qual foi vítima. Se toda a população tivesse acesso aos índices de resolutividade dos crimes com números da própria Secretaria de Segurança Pública, aí é que não perderia tempo em se dirigir a um distrito policial registrar queixa.

Em que pese a má vontade de uma minoria de policiais, o que ocorre na Polícia Civil é seu sucateamento. Há, segundo os sindicatos de funcionários e de delegados, um déficit de funcionários que ultrapassa a casa dos 13 mil. Nos últimos anos, policiais civis foram se aposentando, deixando a corporação ou mesmo morrendo e suas vagas não foram repostas. Esse processo não afetou a Polícia Militar.

Dados do Sindicato de Delegados de Polícia do Estado de São Paulo do final do ano passado mostram que a Polícia Civil paulista enfrenta expressivo déficit de pessoal. Dos 41.912 cargos fixados por lei para a Polícia Civil, apenas dois terços do contingente responsável por conduzir investigações e levar criminosos à Justiça estavam ocupados, uma defasagem de 31,4%. A maior defasagem é no número de escrivães, que são responsáveis pela burocracia da Polícia Civil, pelo registro de boletins de ocorrência e elaboração de inquéritos. Das 8.912 vagas previstas, somente 5.973 estavam preenchidas no ano passado. Entre os delegados de polícia, que deveriam ser 3.463 em todo o Estado, 731 vagas estavam abertas. Esse foi o quadro que o governador João Doria herdou de governos passados.

Após a publicação das duas grandes reportagens sobre violência pelo Cruzeiro do Sul, enfocando a situação de Araçoiaba da Serra e do Éden, a Secretaria de Segurança Pública, por meio de sua assessoria de imprensa, enviou informações sobre os investimentos que o governo tem feito, o aumento do número de viaturas e sobre a queda dos índices relacionados a crimes contra o patrimônio nessas localidades. E em praticamente todo o interior do Estado de São Paulo e Capital, com índices impressionantes, como disse em entrevista a este jornal, um ex-secretário de Segurança. Índices melhores que muitas cidades americanas.

A nota da assessoria só não mencionou que a Polícia Civil foi sucateada nos últimos anos e nada foi feito para melhorar essas cifras negativas, que ocorreram, mas oficialmente nunca existiram. Há informações de que até meados do ano, o Distrito Policial que atende o Éden será fechado por falta de profissionais. Aí as estatísticas cairão ainda mais, pois dificilmente alguma vítima irá se deslocar daquele bairro até a região central para aguardar horas, ser tratado como se fosse um grande favor e tentar registrar um BO.

A falta de pessoal, o atendimento deficiente e a pouca eficiência da corporação principalmente para casos de furtos e roubos em que as vítimas são cidadãos comuns levam ao descrédito. Não havendo denúncias não há investigação, não há inquérito e muito menos prisões. Estatística positiva para os bandidos.