Corrigindo abusos
O governo federal apresentou a proposta de acabar com os municípios com menos de 5 mil habitantes e que tenham arrecadação própria menor que 10% da receita total, um sério indício de baixa sustentabilidade financeira. A ideia é fundir esses municípios com vizinhos maiores, visando evitar o aumento das contas públicas.
A sugestão de mudança na legislação para viabilizar essas fusões consta na PEC sobre o novo pacto federativo, que foi entregue simbolicamente pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao Congresso na última terça-feira, dia 5. O presidente Bolsonaro já adiantou que a fusão de municípios que não conseguem se sustentar não vai ser imposta e que haverá algum tipo de consulta popular para a medida.
Ao enfrentar tal problema -- e não serão poucos aqueles que por motivos eleitorais se oporão à medida -- o governo age acertadamente pois num passado não muito distante a criação de novos municípios foi uma estratégia de muitos políticos de aumentar suas zonas de influência e eleitorado cativo.
A proposta enfrentará resistências no meio político e principalmente na Câmara Federal, onde muitos parlamentares estimulam a criação de novos municípios para dar poder a seu grupo político local. De acordo com o levantamento mais recente do IBGE, 1.254 municípios brasileiros têm população inferior a 5 mil habitantes.
As despesas que municípios com baixa população e sem receita própria geram são enormes, pois acaba sobrando para os governos estaduais e federal manter a máquina administrativa funcionando, pagar o funcionalismo, secretarias, vereadores e prefeitos, além de uma série de outras despesas que só colaboram para o aumento da dívida pública.
O desmembramento, criação, fusão e incorporação de municípios no Brasil está suspenso desde 1996. Até aquele ano, cada unidade da federação definia os critérios para criar municípios. Um levantamento mostra que um em cada cinco municípios existentes foi criado após a Constituição de 1988.
O número foi tão grande que em 1996 foi aprovada uma emenda constitucional que condicionou a criação de novos municípios à aprovação de uma lei federal, que definiria critérios para verificar a viabilidade do novo município. Dessa época até agora foram aprovadas várias normas para regulamentar a questão, mas que acabaram vetadas pelo Poder Executivo.
Há um projeto de lei complementar relativo à criação ou desmembramento de novos municípios que tramita na Câmara dos Deputados que, se aprovado, abriria a possibilidade de criação de novos municípios com o inevitável aumento dos gastos públicos.
A criação dos novos municípios teria por base os critérios de viabilidade municipal, com análise na área econômica e administrativa e população, com no mínimo 6 mil habitantes no Norte e Centro-Oeste, 12 mil no Nordeste e 20 mil no Sul e Sudeste. A proposta atual do governo pode interromper esse projeto que, caso fosse aprovado, traria forte impacto nas contas públicas.
Há muito interesse político na criação de municípios, um tema que conquista a opinião pública local com a ideia de emancipação. Criado o novo município, ele se torna eterno dependente dos repasses governamentais para garantir sua própria sobrevivência. Como comentou o presidente, houve abuso no passado e tem muitos municípios que vivem graças ao repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), pois não têm arrecadação própria.
Pela proposta do governo, as eleições municipais do ano que vem não serão afetadas. A intenção é esperar dados mais precisos do Censo Demográfico de 2020 para localizar exatamente quais cidades estarão na linha de corte por número de habitantes, o que será possível somente em 2021.
O passo seguinte será aferir a capacidade financeira de cada cidade, ou seja, que possuam arrecadação própria com tributos, como o IPTU, menor que 10% do total da receita, o que demonstra que são dependentes de repasses estaduais e federais. Essa medição ocorrerá em julho de 2023. O município com melhor índice de sustentabilidade vai incorporar os demais que estejam na linha de corte.
A fusão de municípios com baixa sustentabilidade, segundo o presidente, não será imposta e a população deverá ser consultada, embora ainda não se saiba como seria feita essa consulta. De toda forma, é um passo positivo em direção a uma gestão mais equilibrada das contas públicas.