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Edtorial: Uma questão de prioridades

01 de Julho de 2018 às 09:15

Todo vício é nocivo. Ponto. Não há como negar que ser dependente é um calvário tanto para o viciado quanto para a família que sofre a codependência. A literatura médica mostra que muitas vezes o viciado se cura e os familiares não, continuam traumatizados para sempre, com medo das recaídas. A alienação da droga atinge uma população jovem, condena meninas à gravidez precoce e famílias a peregrinar de clínica em clínica. Mas o crack, a cocaína, a maconha não são as únicas drogas que ameaçam a juventude e os lares.

O álcool também. A maioria, mais de 70%, dos homicídios, das violências domésticas, das faltas ao trabalho e os acidentes de carro estão associados ao álcool, droga lícita, porém danosa. Não se quer com isso satanizar aqueles que bebem em seus lares, entre amigos, para confraternizar com moderação. Para um país que já teve entre seus cômicos um cachaceiro supostamente engraçado e um bêbado que falava de forma estranha, como herói infantil, o alcoolismo tem sido admitido como aceitável. E não é. É um vício, uma droga considerada não pesada que passa por gerações. Um hábito social aprendido em casa e que hoje, sabe-se, leva a outras drogas. Porque quem precisa de um vício apenas e tão somente precisa do vício: do álcool, da cocaína, heroína ou a mais popular e talvez por isso mesmo, a mais devastadora, o crack, uma química pesada de efeito curto e que convida sempre a mais. Um ato de escolha própria que dificilmente tem saída.

Com as drogas ilícitas o cenário é outro, já há interesses marginais e a lei que as proíbem. Tratar o dependente é nobre, mas deve ter critérios. E estes passam por prioridades. Na atual situação, 13 milhões de desempregados; assistência à saúde precária; filas enormes em hospitais públicos; falta de medicamentos e mais dois anos no SUS para conseguir uma cirurgia de hérnia -- considerada de baixa complexidade e risco. Como pensar em investir num outro centro de assistência ao usuário sem levar em conta dados de cidade de Sorocaba?

É sempre bem-vinda toda iniciativa que ajude as pessoas, mas deve haver prioridades. A Prefeitura de Sorocaba está criando uma secretaria para uma política antidrogas. Se por um lado pode ser uma ideia louvável, deve-se refletir a que interesses ela pode atender. E sobre a extensão de suas ações. E além da extensão de suas ações, seria a burocratização na forma de mais um investimento do dinheiro público na criação de uma estrutura para atender um problema específico, a solução adequada quando se fala em gerenciamento apertado de recursos?

Qual é a quantidade de pessoas com problemas com drogas em Sorocaba? Há cerca de um ano falava-se na existência de perto de 50 pontos de consumo de crack, incluindo aí locais onde existiam três viciados. Há outros com mais viciados. São chamadas de minicracolândias. Para se ter uma ideia, na cidade de São Paulo, na famosa Cracolândia circulam ao redor de 2 mil pessoas, isso para uma população acima de 12 milhões de habitantes. Considere-se pequenos outros pontos na cidade e pode-se, com algum exagero, dizer que, talvez, existam cerca de 4 mil pessoas viciadas em crack ou drogas na Capital, em situação de rua. Um número inexpressivo da população que não mereceu a atenção para que fosse criada uma secretaria para essa finalidade.

Em Sorocaba, há cerca de dois anos esse assunto está ganhando foco de discussão. Em especial porque o organismo adequado para essa questão são os Caps (Centro de Atenção Psicossocial) que tratam de dependência química que, diziam estar sobrecarregados. Desde o governo municipal passado esperava-se que se atingisse a criação de mais dois Caps, com funcionamento de 24 horas. O Caps faz parte da política federal do Ministério da Saúde para tratamento de pessoas com algum tipo de transtorno mental e inclui também a assistência aos dependentes químicos. Eles são divididos do atendimento mais simples ao mais especializado, de acordo com a necessidade do município. Nos Caps são atendidos também paciente com problemas mentais. Hoje, pelas palavras da própria Prefeitura "a Rede Municipal de Saúde Mental conta com oito Caps, sendo três deles voltadas ao público infanto-juvenil. Em 2017, foram prestados cerca de 70 mil atendimentos médicos e multiprofissionais nas sete unidades. Sorocaba também mantém 40 Residências Terapêuticas que abrigam quase 400 moradores, egressos de hospitais psiquiátricos." Registre-se que aí estão incluídos todos os tipos de atendimento e não apenas de droga-adictos.

É público e notório as intrigas e oposição da Câmara Municipal ao governo Crespo (DEM), em especial pelo presidente da Câmara, Rodrigo Manga, do mesmo partido (DEM). Manga tem dedicado, há anos, parte de sua agenda pública a tratar do assunto de viciados em drogas. Ele mesmo, através de informação à imprensa, diz ter a iniciativa para criação da nova secretaria. O tamanho de secretaria, os cargos a serem preenchidos, seu custo ainda sem ter atingido um único destinatário do motivo da criação dessa pasta.

Somente este ano 450 pessoas, em Sorocaba, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), serão atingidas pelo câncer de mama, que tem sob esta denominação cerca de oito tipos diferentes de tumores. Extrapole para os outros tipos na população: próstata, pulmão, estômago, de pele, linfático, cerebral etc. Poucas estatísticas se têm sobre o número de pacientes que a rede pública de saúde -- que exporta muitos casos para São Paulo -- atende no tratamento dessa devastadora doença que, igualmente, atinge as famílias pela dor que causa. Com um diferencial. Não houve escolha para se estar com câncer. Já no caso de drogas e afins, queiram ou não, é um caso de escolha pessoal, por mais terrível e duro que seja escrever isso. A pergunta que permanece, por comparação: pensou-se um criar uma secretaria especial para o tratamento do câncer? Ou as estruturas públicas existentes atendem, mesmo que paliativamente, a esses tratamentos?

A atenção ao crescimento das drogas em Sorocaba merece cuidados e atenção. Mesmo porque enquanto existir um mercado espontâneo -- o usuário de droga não é considerado um criminoso apenas aquele que vende as drogas -- haverá quem atenda a esse mercado. Usar essa questão como forma de oficialização, como secretaria e talvez como forma de apaziguamento de conflitos é algo que merece nova reflexão.