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Chuvas e tragédias

10 de Abril de 2019 às 00:07

Em um período de menos de 30 dias os brasileiros assistiram por meio de imagens fortes da TV, a duas catástrofes provocadas por temporais absolutamente previsíveis nesta época do ano. No dia 11 de março, um temporal pesado causou enchentes, transbordamentos de rios e alagamentos em São Paulo e outras cidades da sua região metropolitana. Em São Caetano do Sul e São Bernardo do Campo, além de enchentes em bairros próximos ao rio Tamanduateí, houve alagamentos de ruas dedicadas ao comércio e várias indústrias, entre elas a moderna fábrica de caminhões da Mercedes-Benz. Doze pessoas morreram naquele dia. Na última segunda-feira, um temporal também de grande intensidade, atingiu o Rio de Janeiro, o segundo ou terceiro dos últimos meses, e igualmente causou estragos e foi responsável pela morte de pelo menos dez pessoas.

No Rio, o aguaceiro causou muitos estragos e alagou inúmeros bairros. Pela segunda vez este ano, o prefeito Marcelo Crivella decretou feriado para que as crianças não precisassem ir à escola, e tenta remediar a situação com a mobilização de 5 mil funcionários. Ao mesmo tempo, enfrenta a denúncia de que o gasto com prevenção a enchentes na cidade caiu 71% sob sua gestão. Essa queda nos investimentos prejudicou principalmente a manutenção da drenagem das redes pluviais e a contenção das encostas, um problema muito sério no Rio de Janeiro, uma cidade cercada por montanhas ocupadas irregularmente e eterna fonte de problemas para o poder público.

Há uma tendência, nos últimos anos, de culpar temporais de grande intensidade a fatores climáticos. Em São Paulo e Grande ABC, no dia 11 de março choveu muito: foram 160,8 mm de chuva, quando o esperado para todo o mês de março era de 177,4 mm. No Rio de Janeiro choveu na região do Jardim Botânico, o bairro mais afetado, 155,4 mm em quatro horas, mais do que esperado para todo o mês de abril (136 mm). Essa teoria é desmentida pelos números. Tanto a cidade de São Paulo e cidades próximas, assim como o Rio de Janeiro, são locais com grande nível de chuvas nesta época do ano e já foram mais intensas anos atrás.

Na realidade, o que os inúmeros especialistas ouvidos nos últimos dias sobre essas tragédias têm afirmado é que as enchentes e suas consequências ocorrem normalmente por expansão da malha urbana em áreas indevidas, um reflexo da falta de acesso à moradia.

Essa ocupação indevida do espaço urbano ocorre na maioria dos casos por famílias que invadem áreas alagáveis. A legislação proíbe a ocupação de áreas alagadiças, de expansão natural da calha do rio durante o período de chuvas, mas em quase todos os municípios, grandes ou pequenos, é um problema de difícil solução. Calcula-se que cerca de 2 milhões de pessoas morem nessas áreas na Região Metropolitana de São Paulo. Em Sorocaba, a Prefeitura tenta manter uma faixa às margens do rio Sorocaba desocupada, mas as ocupações são constantes. No Rio de Janeiro as ocupações também ocorrem nas encostas dos morros, o que praticamente inviabiliza a coleta correta de esgotos e águas pluviais.

Manutenção precária dos sistemas de drenagem de águas pluviais também é um problema comum e que levam a alagamentos. Bueiros entupidos por falta de manutenção levam rapidamente a alagamentos e para isso também contribui falha no serviço de coleta de lixo e o mau hábito de muita gente de descartar lixo na rua, especialmente garrafas pet e outras embalagens.

É verdade que chuvas torrenciais, muito acima da média, causam problemas em qualquer lugar, mas é preciso tirar uma lição dessas situações críticas para que essas tragédias não se repitam. Não permitir construções, principalmente de moradias, em faixas que margeiam rios e são sujeitas a inundações, ou então em locais de deslizamento, evitam inúmeros problemas. Manter um serviço de limpeza pública em pleno funcionamento e vistoriar periodicamente todo o sistema de drenagem das cidades também evitam outros tantos problemas. Obras para diminuir o impacto das enchentes, como piscinões e outros equipamentos do gênero, geralmente demoram para ser concluídas, mas precisam ter continuidade, passando de uma administração para outra. As prefeituras necessitam também aprender a trabalhar com planos de emergência, para ter velocidade no atendimento à população em situações críticas. O que não é possível é assistirmos com indesejada periodicidade a tragédias como as que temos visto nas últimas semanas em que a grande prejudicada, como sempre, é a população.