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Cartas na mesa

23 de Fevereiro de 2019 às 00:01

Há muitos anos se discute a necessidade de uma reforma do sistema previdenciário do Brasil. Se olharmos com alguma atenção as contas do governo, perceberemos que há décadas o déficit da Previdência só cresce e nesse ritmo, não está longe o dia em que o governo não terá condições de arcar com essa obrigação, como já ocorreu com alguns países e governos estaduais que atrasam não apenas os salários dos servidores da ativa, como também dos aposentados e pensionistas por absoluta falta de recursos.

Empurrada com a barriga pelos últimos governos, a situação chegou a um ponto crítico nos últimos anos. Ao assumir o governo após a cassação da presidente Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) arregaçou as mangas para iniciar a reforma. Seria uma maneira de marcar positivamente seu curto mandato, mas acabou perdendo todo seu capital político para barrar duas denúncias apresentadas contra ele na Câmara. Garantiu o mandato, mas perdeu a oportunidade de dar um brilho em sua biografia melhorando as contas públicas.

A reforma da Previdência foi destaque na última campanha presidencial, com maior ou menor peso nos programas dos candidatos dependendo de sua coloração política. O presidente Jair Bolsonaro, deputado federal por várias legislaturas, chegou a se posicionar contra a reforma durante sua vida parlamentar, mas a incluiu no seu programa de governo. Ao ser eleito, colocou a reforma como prioridade número um. A explicação é simples: a Previdência no ritmo que vai, se não forem alteradas algumas regras de arrecadação e pagamento de benefícios, muito em breve não vai conseguir pagar aposentados e pensionistas. O país está envelhecendo rapidamente, ou seja, as pessoas estão vivendo muito mais e vivendo longos períodos recebendo as aposentadorias, enquanto é cada vez menor o número de trabalhadores entrando no mercado de trabalho formal e recolhendo as contribuições. As contas simplesmente não fecham. Hoje temos 20,8 milhões de pessoas com 65 anos ou mais. Em 2060 serão 58,2 milhões de brasileiros nessa condição. Em 2018 o rombo nas contas da Previdência foi de R$ 266 bilhões. A projeção para 2019, se nada for alterado, é de R$ 292 bilhões.

Na última quarta-feira o presidente Jair Bolsonaro (PSL), acompanhado de alguns ministros e assessores, foi protagonista de uma cena pouco usual, mas repleta de significados. Dirigiu-se pessoalmente ao Congresso Nacional para entregar a proposta de reforma elaborada por seu governo. Aproveitou a oportunidade para fazer um “mea culpa” ao dizer que errou ao se posicionar contra mudanças na aposentadoria quando era deputado federal. Bolsonaro está apresentando o projeto na hora certa, no início do mandato, tendo como garantia o capital político que conseguiu nas eleições. O projeto é complexo e, evidentemente, desagrada a alguns setores. A oposição, mal o projeto foi apresentado, centrou suas críticas em alguns tópicos, entre eles as alterações de concessão de Benefícios de Prestação Continuada -- que beneficia pessoas idosas ou incapacitadas para o trabalho e que não contribuíram -- e aposentadoria rural.

A proposta de reforma seguirá os caminhos de praxe no Legislativo. Primeiramente será submetida à análise da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e em seguida será discutida e votada por comissão especial da Casa. Só então seguirá para o plenário onde depende de aprovação em dois turnos com aprovação de três quintos dos deputados. Depois seguirá para o Senado onde também passará por comissões e depois pelo plenário. Não se sabe ao certo quanto tempo vai durar o trâmite no Legislativo. Otimista, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), acredita que ela possa ser aprovada antes do recesso parlamentar de julho.

O exame da proposta pelos parlamentares abre a temporada de negociações, apresentação de emendas, discussões. A opinião pública conta nessas horas e, pela primeira vez, as alterações nas regras da Previdência encontram respaldo de boa parte da população que se conscientizou do tamanho do problema. Como todo projeto complexo, que envolve inúmeros interesses, ele tem camadas de gordura que poderão ser retiradas ao longo das discussões, preservando o essencial. Muitas delas foram colocadas no texto com essa finalidade. Faz parte do jogo político.

Se conseguir implantar uma reforma robusta na Previdência, o governo poderá não só garantir a saúde das contas públicas -- um feito que nenhum governo anterior conseguiu -- como também tornar o País mais atraente para investidores nacionais e estrangeiros, incentivar novos negócios e criar empregos, dando início a um círculo virtuoso tão esperado pela população. Está nas mãos dos parlamentares.