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Ativismo judicial

10 de Julho de 2018 às 15:53

Os cidadãos brasileiros foram surpreendidos na manhã do último domingo com uma notícia insólita. Um desembargador de plantão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, determinou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por aquele próprio tribunal a uma pena de 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro, fosse libertado imediatamente. O argumento era que Lula, como pré-candidato à Presidência -- um fato novo --, teria o direito de ficar livre para fazer campanha.

A decisão, reiterada três vezes ao longo do dia, não foi resultado de uma análise jurídica aprofundada sobre a filosofia do direito, mas uma ação bem orquestrada e com simulações de legalidades para resgatar um prisioneiro. O desembargador em questão, Rogério Favreto foi militante do PT por mais de uma década e toda sua carreira foi construída com cargos de confiança, com passagens pela prefeitura de Porto Alegre, vários Ministérios, inclusive da Justiça e da Casa Civil. Favreto nunca prestou concurso para juiz, conseguiu o cargo como representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) numa vaga preenchida pela regra do quinto constitucional. Pela maneira como os fatos se sucederam, torna-se óbvio que participou em comum acordo com parlamentares para libertar o ex-presidente.

Vamos aos fatos. No início da noite de sexta-feira, três parlamentares petistas -- Wadih Damous (RJ), Paulo Teixeira (SP) e Paulo Pimenta (RS) -- entraram com pedido de habeas corpus para tirar o ex-presidente da cadeia, exatos 32 minutos após o início do plantão de Favreto no TRF-4. Se entrassem com o pedido pouco mais de meia hora antes, o pedido seria encaminhado para outro juiz e não plantonista.

A tese do desembargador para liberar o prisioneiro não se sustenta. Para ele, quem cumpre pena por condenação criminal e recorre de decisão de segunda instância pode pedir para sair da cadeia. Um levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo revela que os advogados de Lula, muitíssimo bem pagos, haviam entrado com 78 recursos no processo em que foi condenado como proprietário oculto do tríplex do Guarujá. Perdeu todos os que foram julgados, na primeira instância, no TRF-4, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), o que anula qualquer discussão jurídica sobre sua condenação.

Favreto estava obstinado em tirar Lula da cadeia. Emitiu três decisões. A primeira atendendo ao pedido dos deputados; a segunda depois que Moro, citado por Favreto, solicitou à Polícia Federal que aguardasse decisão do relator do processo, e a terceira, após a contestação do relator, João Pedro Gebran Neto, dando à PF uma hora para soltar o prisioneiro. Só encerrou a série no começo da noite depois que o presidente do TRF-4 retirou o processo do plantão e mandou devolvê-lo a Gebran. Mais de uma centena de integrantes de ministérios públicos estaduais e federal pedem providências contra o desembargador no Conselho Nacional de Justiça. Militantes do PT foram mobilizados e se dirigiram à sede da PF em Curitiba e em São Bernardo do Campo militantes se aglomeraram em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos.

A atitude do desembargador serviu para aumentar ainda mais a insegurança jurídica que afeta o País. Há poucos dias, a Segunda Turma do STF colocou José Dirceu, condenado há 30 anos, em liberdade, assim como outros participantes do petrolão. Processos envolvendo a presidente do PT Gleisi Hoffmann e outros militantes do partido foram arquivados na mesma Corte, supostamente por falta de provas. Quem acompanha a movimentação em torno da liberação de Lula afirma que a confusão jurídica iniciada pelo desembargador foi só o começo de um plano construído por advogados do partido. A estratégia em torno do pedido de habeas corpus começou a ser arquitetada quando o ministro Dias Toffolli votou pela liberdade do ex-ministro José Dirceu. O fato de que Toffolli poderá comandar o STF durante alguns dias em julho em pelo menos duas oportunidades, quando a ministra Cármen Lúcia assumirá interinamente a Presidência da República, deu sinal verde para a movimentação. Em caso de recursos, o processo poderá chegar ao plantão do STF quando Toffolli estiver no comando. Essa poderá ser a janela que Lula usará para sair da cadeia.