A pandemia e as metrópoles

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O movimento inicialmente começou em cidades do litoral. Moradores do litoral sul de São Paulo começaram a propor há alguns dias ações para impedir a entrada de turistas em suas cidades com medo do aumento de contaminação pelo novo coronavírus.

O movimento ganhou corpo nos últimos dias quando a Prefeitura de São Paulo e o próprio governo estadual divulgaram a antecipação de feriados municipais e estaduais como mais um esforço para melhorar o isolamento social da Capital, que já está com boa parte de suas vagas hospitalares, inclusive de UTI, comprometidas com pacientes da pandemia.

O número de casos de Covid-19 na cidade de São Paulo e na sua região metropolitana é grande e assusta principalmente os moradores de cidades menores, onde o novo coronavírus ainda circula pouco e praticamente não há mortos.

Nos últimos dias, várias cidades da Região Metropolitana de Sorocaba (RMS) começaram a fazer bloqueios sanitários. Municípios como Cerquilho, Ibiúna e Itu se mobilizaram para monitorar as pessoas que chegam a essas cidades com a antecipação dos feriados.

Em Cerquilho, por exemplo, as Secretarias de Segurança e de Saúde realizam barreiras nas vias e rodovias de acesso ao município, método semelhante ao adotado pelas outras cidades. A Prefeitura de Itapetininga, município de porte médio, também anunciou que criará barreiras nas três principais entradas da cidade e ontem, Capela do Alto, município com maior volume proporcional de casos na RMS também criou barreiras sanitárias nos acessos da cidade.

Curiosamente, no caso do litoral, os moradores estão rejeitando, por medo da doença, justamente aqueles que dão força à economia local nos feriados, finais de semana e períodos de férias, os turistas. Uma intervenção do Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu liminar da 3ª Vara do Foro de Itanhaém que tinha proibido o acesso às cinco cidades do litoral sul para evitar que as pessoas tentassem passar no litoral o feriado prolongado.

O gigantesco número de casos em grandes metrópoles assusta a todos. Os números da Covid-19 em Nova York ou São Paulo, por exemplo, impressionam e apontam, segundo pesquisadores e urbanistas, para mudanças sensíveis no pós-epidemia.

A rápida disseminação do coronavírus mostrou os problemas sistêmicos dos grandes centros e a necessidade de mudanças. E os pesquisadores recorrem à história para mostrar que os grandes centros urbanos sempre foram considerados os principais vetores do contágio nas epidemias.

Na atual pandemia os números mostram que 95% dos contaminados moram em áreas urbanas, embora não necessariamente em megalópoles. Reportagem recente do Washington Post mostrou que nos últimos 100 anos os empregos foram transferidos das fazendas para as fábricas e para os setores de serviços e hoje empregam 80% dos trabalhadores norte-americanos.

Mas como o número de pessoas infectadas foi muito elevado em cidades grandes, o jornal mostra que 70% dos pequenos restaurantes, por exemplo, não vão reabrir se a crise durar mais que quatro meses. A tendência é empresas darem fim a instalações físicas e com a desaceleração da demanda por imóveis comerciais, grandes edifícios poderão se tornar elefantes brancos em várias capitais mundiais.

A pandemia chegou com um forte impacto no conceito em viver em grandes centros. Urbanistas lembram que a população de cidades como Paris, Nova York e Xangai vinham diminuindo mesmo antes da pandemia e o culpado eram os preços dos imóveis e dos aluguéis.

Ao longo da história, as grandes cidades tiveram que mudar para enfrentar epidemias. Londres sofreu várias delas e a de 1850, que causou milhares de mortes, levou a cidade a criar uma bem estruturada rede de esgotos.

Urbanistas mostram que o bem-sucedido experimento do trabalho remoto, uma tendência acelerada pela necessidade do distanciamento social, possa alterar muita coisa no futuro. Boa parte dos trabalhadores que continuaram produtivos em suas casas durante a quarentena, muitas vezes longe das grandes cidades, talvez nunca mais queiram voltar à vida estressante de antes.

A instalação de bloqueios sanitários em municípios com o objetivo de isolamento precisa ser muito bem equacionada pelas autoridades estaduais e pela Justiça. O ideal é que as pessoas sempre obedeçam às orientações de distanciamento social quando necessário.

E é importante lembrar que a disseminação do novo coronavírus não vai parar quando for interrompida a quarentena. Teremos que conviver por um bom tempo com a ameaça da Covid-19, ao menos até que surja uma vacina ou tratamento eficaz, mas impedir o direito de ir e vir esbarra no direito constitucional dos cidadãos.