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A cultura do desperdício

22 de Novembro de 2018 às 10:00

Dentro de pouco mais de um mês teremos a posse do novo governo. As atenções hoje estão voltadas para a formação dos Ministérios, dos nomes que dirigirão as grandes estatais e da linha política que norteará os futuros governantes. Há, entretanto, consenso no que se refere à crise econômica em que o País entrou nos últimos anos e que patina para sair. É evidente que os números macroeconômicos são muito melhores do que os do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, de triste memória, mas é evidente que medidas arrojadas precisam ser tomadas já nos primeiros dias de governo para que o Brasil volte a atrair investimentos e retome o caminho do crescimento. Mas além de medidas de impacto no campo econômico, o País precisa também que seus cidadãos, empresas e governantes tomem consciência do tanto que perdemos em praticamente todas as áreas de atividade, com o chamado desperdício. Um estudo divulgado pelo Correio Braziliense em 2013 mostra que por conta do descaso, corrupção, burocracia e falta de planejamento jogamos todos os anos no lixo cerca de R$ 1 trilhão, o equivalente ao PIB da Argentina.

Perdemos boa parte da safra, jogamos comida no lixo, desperdiçamos materiais de construção, água tratada e até energia. A água doce, por exemplo, está se tornando um bem cada vez mais raro e a água potável, tratada, é uma preciosidade que o brasileiro não sabe valorizar. Estudo recente do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostra que o país desperdiçou em 2016, último levantamento existente, 38% de água potável nos sistemas de distribuição, uma perda que, em termos financeiros ultrapassa a casa dos R$ 10 bilhões. As perdas ocorrem nas redes de distribuição que se deterioram por falta de manutenção. Essa perda de água antes de chegar ao consumidor final pode significar também aumento de fraudes, ou seja, o uso da água sem pagar por ela. A perda de água tratada em países desenvolvidos chega, em média, a 15%. O que o País desperdiçou em água em 2016 equivale a 92% de tudo o que foi investido no Brasil em saneamento básico no mesmo ano. Levantamento realizado no início deste ano pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (Saae) mostrou que a cidade perde 40,09% de água na distribuição, índice maior que a média nacional. Para reduzir essas perdas a autarquia felizmente decidiu investir em equipamentos que, num primeiro momento, deverão reduzir as perdas em 10% até o ano que vem.

Na agricultura a situação não é diferente. Levantamento da Embrapa aponta que o desperdício pode atingir até 35% em consequência de infraestrutura precária e manuseio inadequado, principalmente de frutas e hortaliças. O desperdício é grande na manipulação após a colheita e no armazenamento e segue nas etapas de processamento, distribuição e consumo. O Brasil também se destaca no desperdício de alimentos em geral. Levantamento realizado em 2013 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) mostra que das 268,1 milhões de toneladas de alimentos disponíveis naquele ano no Brasil, 10% foram perdidos, o que exige não só medidas do poder público como um amplo trabalho de conscientização da população sobre a necessidade de novos hábitos de consumo.

O Brasil também é pródigo no desperdício na construção civil. Praticamente todo material de demolição é considerado entulho e encaminhado para locais de descarte. Jogamos fora 850 mil toneladas desse material por mês, criando inclusive problemas ambientais, enquanto que no Japão são jogadas fora somente 6 mil toneladas de entulho por ano. Quase tudo é reaproveitado.

Na área de energia também não é diferente. Nos últimos três anos perdemos R$ 61,7 bilhões de acordo com relatório da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia. Boa parte desse problema poderia ser resolvido com a modernização dos equipamentos das indústrias e a fabricação de produtos mais eficientes.

Como se vê, há um amplo leque de problemas que afetam não só a economia, mas também o meio ambiente. Por motivos culturais ou por pura ignorância, acabamos gastando mal nossos recursos. Conscientizar a população, empresas e a administração pública da necessidade do uso parcimonioso dos nossos recursos provocaria uma economia gigantesca.